Terceirização ilícita, danos morais e coisa julgada

Trabalhadora, auxiliar de importação, é funcionária terceirizada numa empresa de distribuição de aços. No ambiente de trabalho da empresa tomadora, sofreu assédio sexual pelo gerente de importação, seu superior imediato. Pediu demissão e ajuizou ação trabalhista em face da empresa terceirizante e da tomadora, pedindo a nulidade da terceirização (por motivo de subordinação direta com a tomadora), e a condenação solidária das reclamadas por danos morais. A ação foi julgada procedente, tendo a tomadora interposto recurso ordinário contra a decisão. A empresa terceirizante não recorreu. Pergunta-se:

a) Sendo o dano por praticado por preposto da empresa tomadora, qual o fundamento para a condenação solidária?

b) É possível o regresso da terceirizante contra a tomadora? qual a justiça competente para essa causa?

c) Transitada em julgado a ação com relação à empresa terceirizante (possibilitando-se o início da execução), o que acontecerá em relação ao pagamento efetuado caso o tribunal reforme o recurso da tomadora, por considerar não provado o dano?

Alguns parâmetros jurídicos devem ser resgatados para uma serena solução da questão. Em primeiro lugar, deve ser observado que a participação em ato fraudulento induz a responsabilidade solidária de todos que engendram a fraude (CC. art. 927). Como segundo parâmetro, é necessário observar a responsabilidade do empregador quanto aos danos causados por seus empregados e prepostos (CC, art. 932, III). E por último, e não menos importante, está a responsabilidade de o empregador oferecer ao trabalhador um ambiente de trabalho seguro e higiênico (CLT, art. 157).

Dessa forma, ainda que se imagine a realização da terceirização lícita, é certo que, ao permitir a inserção do empregado em um ambiente em que convive com empregados de outra empresa, é certo que o empregador deve continuar zelando pela saúde (física, psíquica e mental) de seus empregados, impedindo a ação de terceiros que possam vulnerar o trabalhador. Não cumprindo esse requisito, o empregador fica obrigado a indenizar o dano, independentemente de o fato tenha sido realizado por terceiro (conjugação de conduta omissiva do empregador com fato de terceiro). Quanto à responsabilidade do tomador, pelo simples fato de um empregado seu causar danos a terceiro, há o dever de responder pelos danos causados. Por tanto, havendo responsabilidades concorrentes, está presente a solidariedade.

No caso concreto, em que há fraude na terceirização (em razão da subordinação direita entre empregado da prestadora e superior hierárquico da tomadora), fica reforçada a necessidade de que ambos os participantes ativos da fraude respondam solidariamente pelos danos surgidos no âmbito da relação fraudada.

Tendo em vista que a relação entre as empresas tomadora e prestadora também constitui um negócio jurídico, por óbvio que cada uma delas possui o direito de, em tese, buscar a reparação de danos que uma possa causar a outra. Pensamento contrário, com a devida vênia, teria o escopo de negar validade ao instituto da reparação civil. Digo em tese porque, se ficar demonstrado que em uma situação concreta ambas tenham agido com igual culpa e, onde a exclusão da conduta de uma delas não evitaria o dano, não haverá se falar em prejuízo causado pela outra, senão um prejuízo único causado por ambas (então, ninguém deve reparar ninguém).

Considerando que essa relação entre as empresas (e não entre elas e o trabalhador) é de natureza civil, a competência para julgar essa possível ação de regresso é da Justiça Comum.

Quanto à situação processual de eventual condenação, em que pese a afirmação da questão proposta, justamente por se tratar o caso concreto de uma situação de responsabilidade solidária (fatos indivisíveis), havendo recurso de uma das partes não é possível falar em trânsito em julgado contra a outra parte. O recurso de uma das rés aproveita a outra, justamente por não ser possível uma mesma decisão afirmar a existência de um fato para uma parte e negá-lo para outra parte.

Comentários

Postagens mais visitadas