Competência para decidir sobre o trabalho de menores de 16 anos, não aprendizes

O TRT/02, em decisão histórica, proferida em dezembro de 2013, declarou a competência da Justiça do Trabalho para  apreciação de pedido de autorização de trabalho de menores de 16 anos, fora das condições de aprendizes (a exemplo do que ocorre nos trabalhos artísticos, envolvendo crianças, conforme alíneas "a" e "b" do artigo 405, CLT), contrariando posição majoritária que entende ser da justiça comum, mais especificamente, dos juízos das varas da infância e juventude, tal competência.



Entenderam os juízes que o artigo 406 da CLT, que atribui ao juiz da vara da infância e juventude a responsabilidade para autorizar o trabalho do menor, não se sobrepõe ao artigo 114, inciso I, da CF/88, que após a EC 45/2004, atribuiu à Justiça do trabalho a competência para causas oriundas de relação de trabalho em geral.

Os que defendem a posição escolhida nesse caso, argumentam ainda que a competência da Justiça do trabalho, ampliada pela EC 45/2004, engloba não apenas as lides, mas até mesmo as relações que a potencialmente a antecedem, como é o caso de danos pré-contratuais. E estando o foco de preocupação da questão centrado no "trabalho", é a justiça laboral a melhor aparelhada para analisar casos dessa natureza.

Por fim, sustentaram que é no bojo da Convenção 138 da OIT que se colhe o suporte normativo autorizador da concessão de autorização excepcional para o trabalho abaixo da idade mínima para as atividades artísticas (art. 8o.).

Essa posição foi ratificada pelo fato do próprio TST, e depois o TRT02, ter criado uma comissão permanente para erradicação do trabalho infantil e proteção do trabalho do adolescente (Ato GP 34/2013). 

A questão está longe de um consenso.

Sabe-se que a a CF/88, em seu artigo 7o., XXXIII, proíbe que crianças e adolescentes exerçam prestação de serviços mediante vínculo empregatício. Outras normas específicas de proteção ao menor, inclusive quanto ao trabalho, estão previstas nos artigos 207, parágrafo 3o., I a III c/c os artigos 226 a 228, CC/88.

Contudo, trata-se de uma proibição genérica, que possibilita exceções, quando a atividade a ser desenvolvida servir para a formação educacional e amadurecimento. Nesse caso, o menor deve receber uma amortização judicial para trabalhar.

Mas a quem cabe conceder essa autorização? À justiça comum ou à justiça trabalhista?

Os defensores da competência da justiça comum, para decidir o trabalho do menor não aprendiz, se fiam nos seguintes argumentos;

  • a função jurisdicional discutida no caso em apreço é de natureza voluntária ou graciosa, não sendo o caso de lide a atrair a incidência do artigo 114 da CF/88;
  • o ordenamento brasileiro encerra um verdadeiro sistema protetivo da criança e do adolescente, alicerçado no próprio artigo  4o. do ECA (princípio da proteção integral), o que envolve aspectos familiares, educacionais, civis e de trabalho; 
  • a jurisdição administrativa é exercida pelo juizado da criança e adolescente, nos termos do artigo 146 do ECA.
  • atribuir à justiça especializada a competência para autorizar o trabalho do menor representaria uma repartição da competência jurisdicional, em prejuízo do princípio da unidade de convicção.
  • o Juiz da Vara da Infância e Juventude tem melhores condições de analisar se a atividade pretendida tem a possibilidade de causar prejuízo  moral ao menor ou se pode comprometer seus estudos. É nesse juízo onde há um aparelhamento, com assistentes sociais e psicólogos, capazes de analisar a necessidade de o menor trabalhar para o seu sustento e de sua família.
  • há inúmeros outros casos em que as lides se relacionam indiretamente com o direito do trabalho, mas nem por isso são de competência da justiça do trabalho, a exemplo das ações que envolvem servidores públicos e entes públicos, bem como dos casos que envolvem os contratos de empreitada e de prestação de serviços (a esse respeito, vejam-se as ADIn's 3.395-6 e 3.684-0, em julgamento no STF).
Não me parece razoável essa pretensão de onipresença e onisciência dos juslaboristas, como se fossem os únicos guardiães dos interesses dos desprotegidos. O artigo 114, CF/88 deve ser interpretado estritamente, respeitados o elastecimento que já lhe foi dado pelo constituinte. Isso nos basta. 
Eu ainda me filio à corrente majoritária, que entende ser da Justiça Comum A competência para dirimir tais questões. Se confrontarmos as variáveis independentes que atraem cada uma das competências jurisdicionais em debate, se "criança" ou "trabalho", eu ficaria com a "criança", por ser um objeto mais amplo e associado com o próprio ente protegido (e não o seu estado jurídico, enquanto trabalhador).

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