Aparentes contradições entre o direito de ter "reduzidos os riscos inerentes ao trabalho" e "receber adicionais para atividades penosas, insalubres e perigosas"



O tema é espinhoso e pode ser enunciado em três partes. 

a)  Existe antinomia (contradição) entre os incisos XXII (que garante a redução dos riscos inerentes ao trabalho) e XXIII (ao atribuir, a esses mesmos riscos, expressão econômica) do artigo 7o. da Constituição Federal? 
O fato da juridicidade da norma constitucional, e sua consequente imperatividade, não lhe retira a verte política, que dota a hermenêutica constitucional de um regime que lhe é próprio.
Assim, no campo das antinomias, enquanto a colisão entre regras se resolve pelo critério clássico previsto na LICC, a colisão de normas-princípios constitucionais se resolve pela técnica da ponderação.  As regras, pela generalidade e subsunção, favorecem a segurança jurídica. Os princípios, pela flexibilidade e adaptabilidade, favorecem o desenvolvimento da ordem social. No conjunto, tem-se o constitucionalismo da sociedade pós-moderna.
Como exemplo poder-se-ia invocar uma aparente contradição entre as disposições dos incisos XXII e XXIII do artigo 7º, CF/88. Por um lado, são direitos dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (XXII); por outro, assegura-se o direito ao “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei” (XXIII). Afinal o compromisso constitucional se materializa pela obrigação de fazer ou pela obrigação de pagar pelo que não se fez?
Em verdade, as normas se complementam e devem ser guiadas pelo preceito fundamental da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) em seu sentido amplo.
O preceito do inciso XXII se materializa pela edição das normas regulamentares sobre saúde e segurança expedidas pelo Ministério do Trabalho, conforme autorização legislativa conferida pelo art. 200, CLT
Os adicionais de remuneração previstos no inciso XXIII são parcelas de  natureza salarial (portanto, não indenizatórias) sem caráter compensatório.  Paga-se um adicional de forma apriorística a eventual fato danoso ante o mero advento da exposição a atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
Reconhece-se o chamado  “Estado de Risco” no qual o Estado, além de suas funções precípuas, passa a lidar com as consequências dos riscos criados pelo ambiente tecnológico e de consumo de massa.
Perde-se o amparo do determinismo e da previsibilidade conferida pelo paradigma moderno, e passa-se a conviver com sistemas complexos que interagem de forma dinâmica.
O risco ocupacional, ao lado do ambiental, como uma externalidade da vida social pós moderna (que não prescinde da tecnologia e do desenvolvimento), se torna inexorável, e a mera situação de risco se torna fundamento para que preventivamente sejam previstos mecanismos de reconhecimento do gravame gerado, sem que disso decorra conotação de monetização de risco como licença ao dano ocupacional.
O próprio professor Luiz Barroso, numa alusão ao princípio da reserva do possível,  reconhece os paradoxos advindos da complexidade da vida social pós-moderna e afirma  que o Direito tem limites que lhe são próprios e que por isso não deve ter a pretensão de normatizar o inalcançável,  e que certas normas podem ter sua aplicabilidade mitigada por outras normas ou pela realidade subjacente.
A instituição de adicionais, longe de representar uma antinomia, revela sensibilidade à realidade, pois faz coexistir a persecução da redução dos riscos inerentes ao trabalho, enquanto impõe adicional de natureza salarial pela sua existência, combatida pela ordem social, mas de presença irremediável por demandas que vem da própria sociedade.
Não há antinomia, mas uma clareza e sofisticação principiológica no trato da questão.      

b) Pode-se aplicar ao direito do trabalho o princípio do poluidor-pagador? 

O principio do poluidor pagador, na seara ambiental, foi reafirmado pelo STF na ADI 3378/DF, de onde se ampliou o alcance e compreensão para que sob tal epíteto não se objetive apenas a obrigação para a reparação de danos, mas também a obrigação de arcar com os custos de preservação e conservação em contrapartida a empreendimento de relevante impacto ambiental.

Em outros termos, do fato de eventualmente não existir efetivo dano ambiental não decorre isenção do empreendedor de partilhar os custos das medidas preventivas, relativamente aos impactos ambientais que possam ser originados da implementação de projeto econômico.
Assim o princípio não monetiza o dano, mas faz gestão preventiva e preditiva dos riscos associados às atividades empreendedoras capazes de gerar o dano e por isso, impõe pagamento do impropriamente foi denominado como “compensação ambiental” pela Lei 9985/2000, objeto da referida ADI.  
Da mesma forma e há mais tempo, se dá com os adicionais que, na seara trabalhista, estão instituídos como princípio constitucional, sem diminuir o ideal do meio ambiente de ambiente de trabalho seguro e saudável.

c) Em caso de resposta positiva à questão anterior, disso não decorre antinomia (contradição) entre o artigo 7o, XXVIII, e o artigo 225, parágrafo 3o, ambos da Constituição Federal? 

No tocante à indagação quanto a aparente colisão entre o preceito instituidor de seguro contra acidentes de trabalho (art. 7º, XXVIII, CF) e responsabilidade civil ambiental prevista no par. 3º, do artigo 225, CF, o que ocorre é a mera aplicação dos axiomas da proporcionalidade e razoabilidade ante o reconhecimento de externalidades decorrentes da contingência humana em uma sociedade que luta por uma quase  utópica síntese entre preservação da saúde e da vida em meio à pressão do desenvolvimento econômico-social, também atrelado aos anseios da pessoa humana. 


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