Legitimidade de Sindicato para Ajuizamento de ACP visando coibir Terceirização


Diante da contratação de empresa terceirizada "EFG TRANSPORTE Ltda." para prestação de serviços de transporte interestadual da carne bovina produzida pelo "Frigorífico HIJ S/A", este pertencente a grande conglomerado do ramo alimentício, o Sindicato Profissional ajuíza ação civil pública em face deste pleiteando a declaração de ilegalidade da terceirização e a respectiva obrigação de não-fazer, sob pena de multa diária, bem como a condenação pelos danos morais causados à sociedade pela conduta. 

Analisar abordando a legitimidade sindical para os pleitos e a possibilidade e limites para contratação de empresas terceirizadas nesse caso. 

1. Da Legimidade "Ativa Ad Causam" do Ente Sindical

É o Sindicato parte legítima para o ajuizamento de ação civil pública à luz do disposto no artigo 8o., III c/c o artigo 129 parágrafo 1o., ambos da CF/88, e do artigo 5o. da Lei 7437/85 que menciona as associações civis (que na área trabalhista são os sindicatos) dentre os legitimados ativos ao ajuizamento de ações civis públicas para a defesa de interesses coletivos das correspondentes categorias. 

Trata-se de legitimação autônoma (diferente, portanto, das legitimações ordinária ou extraordinária) que se caracteriza pelo fato de que ao titular do direito é vedado ou inviabilizado o acesso a juízo para defesa do seus interesses, sendo portanto reconhecida uma via autônoma ou anômala para que os entes elencados no artigo 5o. da Lei 7347/85 conduzam autonomamente o processo. 

Tal legitimação é também disjuntiva, pois prescinde de anuência dos titulares do direito objeto da ação.  

É ainda uma legitimação com efeitos reflexos, porque não obstante o fato dos interesses precípuos dos Sindicatos estarem ligados ao interesse de sua categoria representativa, a atuação sobre interesses difusos, acaba por favorecer todos os que forem atingidos pelo direito conquistado, o que envolve sindicalizados, não sindicalizados e até mesmo a sociedade em geral.  

Neste aspecto, insta considerar que o elastecimento da interpretação dada ao artigo 8o, III, da CF/88, é a mais consentânea com a efetividade do acesso à justiça apregoada pela nova ordem constitucional, sendo prestigiada a constatação de que a ampla atuação do sindicato desincumbe o trabalhador de ver-se na situação embaraçosa de ter que enfrentar o seu empregador em juízo. 

2. Da validade terceirização noticiada

O caso noticia subcontratação, realizada por conglomerado do ramo alimentício, de empresa visando a realização de serviços de transporte interestadual de carne bovina produzida pela empresa contratante. 


Dos elementos subsumidos no caso pode-se inferir que as atividades de transporte não são inerentes aos objetivos sociais de conglomerado contratante, configurando-se a terceirização de atividade-meio, portanto, admitida à luz do item III da Súmula 331, TST. 


No direito do trabalho, é mote comum que a terceirização sempre estaria associada à precarização de direitos do trabalhador ou ao aviltamento de sua condição humana. 


A realidade, no entanto, mostra que essa assertiva não pode ser generalizada, merecendo ponderações. 


Num mercado de consumo de escala global, com dimensões competitivas (ditadas pelo próprio consumidor) que substituíram os critérios de "eficiência" e "qualidade" por "variabilidade" e "inovatividade", evidenciou-se o efeito de relações empresariais cada vez mais dinâmicas, velozes, fragmentadas e complexas. 


Assim, esse novo cenário econômico, por um lado, produziu externalidades maléficas ao ser humano (que paradoxalmente assume o ambíguo papel de trabalhador-vítima e de consumidor-fomentador do sistema), mas por outro, criou também oportunidades a partir da geração de novas profissões, funções e atividades, advindas das inovações de produto e processos, donde a necessidade de especialização e consequente fragmentação ou desverticalização de empresas se tornaram inexoráveis. 


Particularmente, neste último caso, não se vislumbra o objetivo da precarização de direitos justrabalhistas, mas a mera busca de criação de valor econômico (Stuart-Brandenburger, 1996) pela via da redução de custos por economia de escalas, economia de escopo, e especialização de serviços (sem redução da utilidade marginal dos níveis salariais dos profissionais envolvidos, reitere-se).  


Exemplificadamente, nenhum escritório de serviços de advogado contrataria um programador de software para desenvolver um programa exclusivo para a sua empresas sob o pretexto de obrigatoriedade ou conveniência de manter tal atividade "verticalizada", e sob a alegação de que por esse modo os direitos trabalhistas de tal profissional estariam mais protegidos. 


Programadores, via de regra, são encontrados em firmas especializadas em softwares jurídicos, que ao invés de um, atendem milhares de escritórios de advocacia, e têm nesse modelo a melhor forma de valorização profissional, porque altamente especializados os seus profissionais.


Os próprios advogados são expressão máxima da terceirização, dada a necessidade de especialização requerida de seus serviços, o que só se viabiliza pela contratação das estruturas de mercado (Williamson, 1985), também conhecidas como contratos terceirizados. 


Retomando o caso, tratando-se pois de contratação de atividade-meio realizada por empresas especializada, e ausentes os fatores impeditivos da impessoalidade e subordinação direta, caracterizadores de mera intermediação de mão-de-obra (vedada pela Súmula 331, TST), não há óbice jurídico que justifique a viabilidade da ação civil pública ajuizada pelo Sindicato, devendo ser julgado improcedentes os pedidos de obrigação de não-fazer e de condenação em danos morais. 

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