Parecer Jurídico - Ação rescisória trabalhista para desconstituição de julgado por violação literal de lei
PARECER JURÍDICO
Relatório
Trata-se
de consulta formulada por xxxx Ltda. acerca da possibilidade de
êxito na interposição de recurso contra decisão que indeferiu a petição inicial
e extinguiu o processo sem julgamento do mérito (artigos 267, I c/c o 284,
parágrafo único, ambos do CPC) nos autos da ação rescisória nº 0000.10.2013.5.10.000, em trâmite perante
o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Distrito Federal).
Os fundamentos utilizados para o indeferimento da petição foram os seguintes: (a) desatendimento do requisito constante no artigo 488, inciso I do Código de Processo Civil; e (b) incidência do inciso II do parágrafo único do artigo 295, do Código de Processo Civil, tendo em vista:(i) a desconexão entre a multa convencional prevista na cláusula 56ª (e/ou 57ª) e a verba de repasse de taxas odontológicas prevista na cláusula 15ª, ambas das Convenções Coletivas de Trabalho celebradas, entre 2009 e 2011, pelo Sindicato dos Empregados em Empresas de xxxxxxxx e Sindicato das Empresas de xxxxxx do DF; e (ii) a impertinência da discussão sobre a aplicabilidade do artigo 412, Código Civil ao caso, uma vez que o valor devido sob o título da multa aplicada pela decisão rescindenda, não teria ultrapassado o valor a que corresponde o da obrigação principal descrita na Cláusula 56ª (e/ou 57ª) dos referidos instrumentos normativos.
É o relatório. Passo a opinar.
Fundamentação
O parecer
versa sobre ação rescisória ajuizada para desconstituição da coisa julgada
operada no acórdão proferido nos autos nº 0000-59.2011.5.10.0001 perante a 1ª Vara do Trabalho de Brasília-DF, em cujo
processo a empresa Consulente fora condenada ao pagamento de multa prevista na
cláusula 56ª da Convenção Coletiva de Trabalho acima citada, por ter deixado de
cumprir obrigação de fazer consistente na entrega de “[...] GFIPs até o décimo quinto dia de cada mês...”,
sob pena de“[...] multa de 2% (dois por
cento) ao mês sobre o valor das mesmas em benefício do xxxx”, incidindo, como
fundamento para o juízo rescindente, a hipótese prevista no artigo 485, inciso
V, do Código de Processo Civil (“violação literal de lei”).
Segundo o
entendimento da Consulente, a referida cláusula estaria em dissonância com o
disposto no artigo 412, do Código Civil, cuja aplicabilidade ao processo do
trabalho é corroborada pelo entendimento consubstanciado na Orientação
Jurisprudencial n. 54, da Seção de Dissídios Individuais I, do Colendo Superior
Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “O
valor da multa estipulada em cláusula penal, ainda que diária, não poderá ser
superior à obrigação principal corrigida, em virtude da aplicação do artigo 412
do Código Civil de 2002 (art. 920 do Código Civil de 1916)”.
O Desembargador
xxxx,
designado para o julgamento da causa, ao despachar a petição inicial da ação
rescisória, assim decidiu:“[...]determinei a emenda da petição inicial, para que a
autora cumprisse a exigência do artigo 488, inciso I, do CPC (ID-14011), vindo
aos autos a peça identificada pelo ID-14033. Sucede que a parte acresceu, tão
somente, o pedido de novo julgamento, sem, todavia, especificar o
correspondente conteúdo.”
Na sequência, assim se manifestou o douto
magistrado: “[...] a
r. decisão impugnada manteve a condenação imposta à ora autora, no processo
originário, a qual corresponde à multa convencional da ordem de 2% de
determinadas importâncias mensais, no período de julho de 2009 a março de 2011.
Assim sendo, a parcela de maior valor apenas pode corresponder a 26 (vinte
seis) vezes o índice em referência, resultando em cominação equivalente a 56%
(cinquenta e seis por cento) do principal. E todas as demais, por subsequentes,
a ela são inferiores a cada base de cálculo que lhes são pertinentes. Nesse
contexto, a proposição versando sobre a ultrapassagem do limite fixado pelo
artigo 412 do CPC destoa da causa de pedir, valendo ressaltar que a verba em
referência não ostenta o mínimo ponto de contato com a questão do repasse das
taxas odontológicas, que sequer foi analisado no r. acórdão rescindendo”.
I.
Sobre o cumprimento
do requisito constante no artigo 688, inciso I, do Código de Processo Civil
A ação
rescisória é cabível, em hipóteses específicas, para buscar a desconstituição
da coisa julgada material. Na busca desse objetivo, a ação rescisória pode
seguir, basicamente, três etapas distintas.
Na
primeira etapa, é examinado o cabimento da ação rescisória, conforme hipóteses
do artigo 485, CPC. Em síntese, será verificado se a ação rescisória, em tese,
busca articular alguns daqueles critérios.
Na
segunda etapa, é observado se a coisa julgada se formou, de fato, com a
presença de uma daquelas hipóteses do citado artigo. Se as hipóteses não ocorreram,
a ação rescisória é julgada improcedente. Se tais hipóteses se confirmam, o
julgamento é de procedência e estará autorizado o reexame do mérito da ação de
origem. Este primeiro exame (o da ocorrência ou não das hipóteses do artigo
485, CPC) é o chamado “juízo rescindente”, onde é “quebrada” a proteção que
envolve a coisa julgada. Ocorre que, neste momento, ainda não se está,
necessariamente, alterando a conclusão da coisa julgada que, no entanto, já
passa a estar vulnerável.
Na
terceira etapa, após aberta a possibilidade de que seja realizado novo
julgamento da ação, é que o Juízo da ação rescisória irá entregar um novo
julgamento, alterando, ou não, a decisão de origem. Trata-se, aqui, do chamado
“juízo rescisório”.
Observe-se
que, por vezes, ainda que ocorra o “juízo rescindente”, desconstitutivo da
coisa julgada, nem sempre haverá a possibilidade de seguir-se o “juízo
rescisório”.
Isso
ocorre, por exemplo, quando a ação rescisória conclui que houve cerceamento de
defesa ou prova, sendo necessário, portanto a reabertura de instrução e
verdadeira anulação do procedimento anterior, possibilitando o restabelecimento
do curso legal do processo. Outra hipótese ocorre quando há conclusão de que a
ação originária decorreu de colusão da parte vencedora, de modo que o que se
busca com a rescisória é, verdadeiramente, a demonstração de inviabilidade
material da situação de fato discutida. Também é exemplo de inviabilidade de
juízo rescisório a hipótese em que o juízo rescindente conclui que a coisa
julgada desafiada não observou que a matéria já contava com um julgamento
transitado em julgado anteriormente.
Por outro
lado, nas hipóteses em que se requer o “juízo rescisório”, sempre haverá um
novo julgamento sobre a matéria, objeto de análise da sentença rescindida, ou
da pretensão consubstanciada na resposta do réu.
Conclui-se, portanto, que primeiro se
desconstitui o julgado (juízo rescindente) para em seguida ser proferido um
novo julgamento (juízo rescisório).
No caso apresentado pela Consulente, a decisão
rescindente a ser desconstituída (juízo rescindente) é o acórdão proferido pela
1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, tendo como relator o
Desembargador Federal do Trabalho, xxxxxx, que negou provimento ao recurso
ordinário interposto pela Empresa Consulente, mantendo os fundamentos e o
dispositivo da sentença de 1º grau, da lavra da Juíza substituta da 1ª Vara do
Trabalho do Distrito Federal, xxxxxx, a qual condenou a Consulente ao “pagamento de multa
equivalente a 2%, por mês de atraso, sobre o valor constante nas guias GFIPs, a
partir de julho de 2009 até março de 2011, consoante disposição convencional”.
Os principais fundamentos utilizados pela
decisão rescindenda foram os seguintes: (a) a validade da norma coletiva que
estipulou a referida multa decorre da livre pactuação entre as partes
convenentes (sentença de 1º grau); e (b) a finalidade das cláusulas penais
seria a de coibir prática de atos ou fatos a que a parte se obrigou, sendo
inferido que, em não tendo havido o seu cumprimento pela Consulente, teria o
valor sido até mesmo insuficiente para o cumprimento do seu mister, o que
ratificaria a sua razoabilidade (acórdão – 2º grau).
Por sua vez, a Consulente ajuizou pretensão
de “juízo rescindente”, como esteio
na indicação de violação literal do artigo 412, do Código Civil sem, contudo,
realizar pedido específico, certo e determinado no sentido de delimitar o “juízo
rescisório” pretendido, o que, no caso do inciso V do artigo 485, CPC, é
requisito mandamental previsto no artigo 488, inciso I, CPC.
Ainda, acerca da obrigatoriedade da
cumulação de pedido alusivo à rescisão – ressalvadas as hipóteses em que pode
haver o juízo rescindente sem o rescisório – em que não se concebe a formulação
de pretensão genérica ou implícita, veja-se o posicionamento do Colendo
Tribunal Superior do Trabalho, valendo a transcrição:
AÇÃORESCISÓRIA - PETIÇÃO INICIAL - PEDIDO ÚNICO E
GENÉRICO PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO RESCINDENDA - AUSÊNCIA DOS PEDIDOS
ALUSIVOS AOS JUÍZOS RESCINDENTE E RESCISÓRIO - PEDIDO JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEL
- ARTS.488– CAPUTE I, E 282, IV, DO CPC - INÉPCIA DA EXORDIAL - EXTINÇÃO DO
PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1. O art. 488,caput, do CPC exige à petição inicial
da ação rescisória a observância dos requisitos do art. 282 do CPC,dentre os
quais se insere o pedido, com as suas especificações (inciso IV do aludido
preceito). 2. Nesse sentido, cumpre assinalar que o Autor deve necessariamentecumular
os dois juízos no rol exordial da ação rescisória,quais sejam, o pedido
rescindente e o pedido rescisório (CPC, art.488, I), sob pena de inépcia
da petição inicial, não se admitindo pedido implícito, à exceção da rescisóriacalcada em ofensa à coisa
julgada, por ser desnecessário, uma vez que a lide já fora julgada
anteriormente, o que não é o caso dos autos.
3. “In casu”, verifica-se que a Reclamada
formulou, na petição inicial da ação rescisória,
pedido único e genérico para desconstituir a decisão rescindenda, olvidando-se,
ainda, de formular o pedido rescisório alusivo ao novo julgamento da causa (e
em que termos, já que no processo originário havia pedidos sucessivos quanto às
diferenças salariais), o que era de todo indispensável, de modo que o pedido
revela-se juridicamente impossível.
4. Assim, é do Autor o ônus de formular pedido
certo e determinado quanto à cumulação dos pedidos rescindente e rescisório (CPC,
arts. 282, IV, e 488, caput e I), sendo defeso repassá-lo ao Judiciário, como “in
casu”, uma vez que a este compete decidir a lide nos limites propostos, sob
pena de incidir em julgamento “citra”, “extra” ou “ultra petita” (CPC, arts.
128 e 460), razão pela qual se mostra inepta a petição inicial, de modo que a
presente ação rescisóriamerece ser extinta sem julgamento do mérito, nos
termos dos arts. 267, I, VI e § 3º, e 295, I e parágrafo único, I e III, ambos
do CPC. Processo extinto sem julgamento do mérito.
(Processo: ROAR - 1446956-90.2004.5.02.0900 Data de
Julgamento: 28/06/2005, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Subseção
II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação:05/08/2005).
Nesse mesmo sentido, vem decidindo o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, como segue:
AÇÃO RESCISÓRIA - CUMULAÇÃO DE PEDIDOS - ARTIGO 488,
I, DO CPC. Não atentou o autor para o comando inscrito no artigo 488, inciso I,
do CPC, olvidando que a presente ação é daquelas em que se faz necessário não
só o pedido de rescisão do julgado, mas também o de novo julgamento, requisito
igualmente essencial da petição inicial, conforme norma legal em referência. E
sendo necessário um novo julgamento da causa, é imprescindível a formulação do
respectivo pedido, ausente na espécie. Impõe-se, assim, a extinção do processo
sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, inciso I, do CPC c/c artigo
295, inciso I e parágrafo único, do mesmo diploma legal.
(TRT 03ª Região, Processo nº
00253-2007-000-03-00-1, 2ª Seção Especializada em Dissídios Individuais,
Desembargadora Relatora Lucilde D´Ajuda Lyra de Almeida, DJ: 26/10/2007).
Portanto,
meu parecer é de que na ação rescisória ajuizada pela Consulente deveria fazer-se
constar o pedido de novo julgamento consubstanciado, por exemplo, na declaração
de abusividade da cláusula 56ª (57ª) da referida Convenção Coletiva, seguida de
pedido revisional da multa nela consignada para que se promova a diminuição do
valor, aplicando-se, por exemplo, o importe correspondente a 2% por mês de
atraso, até ao limite de 10% do total das GFIPS não entregues, ou por outro
critério a ser estabelecido pelo D. Juízo rescisório, com esteio nos princípios
da razoabilidade, da proporcionalidade e da equidade.
Desta
feita, entendo inviável o prosseguimento da presente ação rescisória, ante a
preclusão consumativa do ato previsto no artigo 284, do Código de Processo
Civil.
II.
Sobre a
alegada violação do artigo 412 do Código Civil, utilizado como fundamento para
o Juízo Rescindendo.
Embora a tese
da ação rescisória tenha enfocado a imperatividade do artigo 412 do Código
Civil como motivo ensejador do juízo rescindente, observa este Parecerista que
o critério defendido pela Consulente, para o estabelecimento da base de cálculo
utilizada na apuração da multa prevista na cláusula 56ª, seguiu o valor da
condenação a título de taxas odontológicas (com base na cláusula 15º da
Convenção Coletiva), o que a levou à errônea subsunção de que o valor da multa
(de aproximadamente R$ 600.000,00) não poderia, sem violação do artigo 412 do
Código Civil, ser superior ao valor de sua correspondente obrigação principal
(de cerca de R$ 11.000,00).
No
entanto, a Cláusula 56ª do instrumento coletivo em análise
dispõe expressamente que o não cumprimento da obrigação de fazer nela inserta
(enviar GFIP´s) acarretará em multa de 2% ao mês “sobre o valor das mesmas”. Vale dizer que a base de cálculo para o
cálculo da multa mensal é a do próprio valor da GFIP, não havendo qualquer
correspondência possível entre as obrigações insertas nas Cláusulas 15ª e
aquelas previstas na Cláusula 56ª da convenção coletiva em apreço.
Nesse
aspecto, a prevalecer o comando do artigo 412 do Código Civil, bastaria ao
juízo rescisório revisar o valor da multa para que o seu montante não
ultrapassasse o valor da obrigação descrita como “principal”, correspondente ao
valor da soma da GFIPS cujas entregas foram olvidadas.
Sendo
assim, de pouca utilidade prática seria o aforamento de ação rescisória com
base em violação literal do artigo 412 do Código Civil, já que, se acolhida
apretensão autoral, seria Consulente condenada ao pagamento de montante muito
próximo (ou igual) ao da totalização dos valores declarados nas guias GFIP´s em
referência, estando, no entanto, respeitada a regra alardeada de que “a multa
não pode ser superior ao valor da obrigação principal”.
No
entender desse Parecerista, a pretensão rescindente deve ser encaminhada sob o
amparo do princípio da razoabilidade inserto na segunda parte do artigo 413 do
Código Civil, e não do artigo 412 do Código Civil.
Diz
o artigo 413 do Código Civil que “A penalidade deve ser reduzida equitativamente
pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio”.
Consigne-se,
portanto, que não apenas o texto do artigo 413, mas também os princípios da
razoabilidade e a equidade como meta-normas orientadoras de todo o direito,
deverão ser utilizados como fundamento para o juízo rescindendo.
A
esse respeito, sobre a amplitude da definição de “lei”, para os fins de
demonstração de sua violação literal (inciso V, do artigo 485, CPC), é
incontroverso, na doutrina e na jurisprudência, que o termo abrange todo o
gênero normativo previsto no ordenamento jurídico, de modo tal que a violação
de qualquer
norma jurídica possibilita o ingresso da ação rescisória, com vistas
a desconstituir a sentença de mérito transitada em julgado.
Cabe
observar ainda a possibilidade de se prescindir até mesmo da referência ao
número do artigo ou parágrafo, “desde que claramente identificável o conteúdo”
da norma impugnada[1]
conforme enuncia a Súmula n. 408, do TST.
No
que diz respeito ao termo “literal” emprega-se aqui o sentido
de expresso, revelado, sendo cabível a ação rescisória quando o juiz tiver
violado o “direito expresso” ou o “direito revelado no caso concreto”.
Conforme
ensina Fredie Didier Jr.[2],
“tendo o juiz violado um costume, um
princípio, uma lei expressa, ou, até mesmo, normas interpretativas, caberia a
ação rescisória, com fundamento no inciso V do artigo 485 do CPC. Enfim,
qualquer direito expresso ou revelado, seja escrito ou não escrito, uma vez
violado, poderá ser protegido pelo ajuizamento e posterior acolhimento da ação
rescisória. Quando se alude à ‘violação a literal disposição de lei’, está-se a
referir a ‘violação a literal fonte do direito’, o que incluiria violação a
princípio”.
Logo,
o que se pretende proteger, com a hipótese do inciso V do artigo 485, CPC, é o
ordenamento jurídico como um todo, aí incluídas todas as modalidades de
veículos normativos, escritas ou não, explícitas ou implícitas.
Vale
ainda consignar que o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, quando do julgamento do
REsp 845.910/RS, publicado em 23.11.2006, admitiu ação rescisória, que, com
base em violação ao princípio da proporcionalidade, buscava rescindir acórdão
do TRF da 4ª Região, que, numa causa sobre imunidade tributária de entidade
beneficente de assistência social, arbitrou honorários advocatícios que
redundaram em cifra superior a R$ 1 milhão, restando consignado que a
jurisprudência do STJ tem entendido que discussões envolvendo exorbitância ou
insignificância de verba honorária – como também condenações indenizatórias ou
a título de cláusula penal – enquadram-se como questão de direito, e não
fática, o que viabiliza a apreciação da ação rescisória, com base no inciso V
do artigo 485, CPC.
A desproporcionalidade havida na
Clausula 57ª pode também ser verificada quando se extrai a natureza jurídica da
obrigação principal nela insculpida, qual seja a de uma “obrigação de fazer”,
cujo regime está previsto nos artigos 247 a 249 do Código Civil, e cuja
hipótese de descumprimento enseja a cominação de multa cominatória, de índole
pecuniária, em nada relacionada com os valores constantes nas GFIP´s, cuja “obrigação
de pagar” fora peremptoriamente cumprida.
Daí ser também plenamente defensável
que se pleiteie total desconexão entre a multa por descumprimento de uma
obrigação de fazer com os valores inscritos (e pagos) nos documentos objeto
dessa mesma obrigação.
Também deve ser considerado o disposto
no parágrafo 4º do artigo 461 do Código de Processo Civil, que trata do
procedimento em ações que tenham por objeto a obrigação de fazer e não fazer,
segundo o qual o juiz poderá impor multa diária ao réu, independentemente do
pedido do autor, “se for suficiente
ou compatível com a obrigação”, fixando-lhe prazo razoável para o
cumprimento do preceito.
Mais uma vez, se invoca o princípio da
razoabilidade na previsão e cobrança de multas por descumprimento (e para o
cumprimento) de obrigação de fazer.
Atente-se ainda para o aspecto da falta
de temporalidade da multa contida na Cláusula 57ª, em análise. A esse respeito,
vale lembrar os ensinamentos de Silvio de Savio Venosa: “Nada impede que as
partes, contratualmente, estipulem a multa e seu valor, mas caberá sempre ao
juiz colocá-la em seus devidos parâmetros. Essa multa deverá ter um limite
temporal, embora a lei não o diga, sob pena de transformar-se em obrigação
perpétua[3]”.
À vista do exposto, meu parecer é de
que o fundamento utilizado para a desconstituição da coisa julgada em questão (juízo
rescindente) deverá ser o de violação literal do princípio da razoabilidade e
da proporcionalidade insertos no artigo 413 do Código Civil, reforçados pelos
preceitos contidos no parágrafo 4º do artigo 461 do Código de Processo Civil e
pelos princípios gerais que abarcam todo o ordenamento pátrio, quais sejam, a
boa fé objetiva, a eticidade e a equidade.
III.
Acerca do ataque aos fundamentos utilizados
pela decisão transitada em julgado
Aspecto importante a ser considerado na
ação rescisória é o enfrentamento dos fundamentos utilizados na decisão
transitada em julgado, para que haja a devida congruência entre o pedido e
causa de pedir do juízo rescindente contrapostos ao provimento judicial que se
quer extirpar do plano jurídico.
Nesse sentido, tanto a sentença quanto
o acórdão rescindendos enfatizaram que a validade da multa prevista na cláusula
57ª da Convenção Coletiva estaria respaldada pela livre pactuação das partes.
No entanto, a partir dos acórdãos que serviram como precedentes para a edição da Orientação Jurisprudencial n. 54, da SDI-1/TST, a saber, EEDRR 88861/1993, Ac. 1484/1996 - Min. Ronaldo Lopes Leal DJ 21.02.1997; EEDRR 71334/1993, Ac. 4014/1995 - Min. Ney Doyle, DJ 24.11.1995; ERR 52339/1992, Ac. 2176/1995 - Min. José Calixto, DJ 10.08.1995; ERR 22137/1991, Ac. 1202/1993 - Min. Vantuil Abdala, DJ 23.09.1994; ERR 53195/1992, Ac. 2203/1994 - Min. Cnéa Moreira, DJ 05.08.1994; ERR 45951/1992, Ac. 66/1994 - Min. Guimarães Falcão, DJ 22.04.1994 e ERR 285/1990 Ac. 1276/1993 - Min. Ermes Pedro Pedrassani, DJ 28.05.1993, se extrai a importante argumentação de que “...a multa pretendida é fruto de norma coletiva autônoma e não de disposição legal, no âmbito do Direito do Trabalho.Caso esta multa fosse aquela prevista no art. 477 da CLT, aí sim não haveria limite porque aqui há a norma expressa sobre o tema e deve ser respeitada no todo” (TST-E-ED-RR-88.861/93.7; AC.SBDI1- 1484/96; 5ª REGIÃO; Redator Designado: Min. RONALDO LEAL), o que reforça a relativização da autonomia da vontade quando se trata de norma autônoma e sobre a qual a empresa Consulente não teve participação direta em seu fazimento.
Deste modo, meu parecer é no sentido de que tais fundamentos sejam exaustivamente explorados e adicionados ao requisito de violação expressa de lei, explicitado no capítulo anterior, quando do ajuizamento de uma nova ação rescisória pela empresa Consulente.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, respondendo ao questionamento
formulado na consulta opino pela desistência da ação rescisória veiculada nos
autos do processo n. xxx.10.2013.5.10.000,
em trâmite perante o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, e pelo
imediato ajuizamento de nova ação, com o emprego dos fundamentos acima
explicitados no presente estudo.
É o parecer.
São
Bernardo do Campo, 03 de dezembro de 2013.
RICARDO
DE ABREU BARBOSA
OAB/SP
138.399
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