O Poder nas Organizações: firmas, governo, sindicatos...igrejas.

Lendo Gareht Morgan, em seu livro "Images of Organization" fiquei impressionado com a maneira análitica e sistemática a que se refere como os interesses, os conflitos e o poder são manejados nas organizações; e acrescento: em todas elas... sem exceção!!

Por ser dirigente de uma empresa com poucos funcionários e muitos sócios, tendo portanto que articular essas questões em dois expectros diferentes e intrinsicamente conflitantes, li o livro como que me vendo num espelho...

O que pouco se diz (ou não se admite) é que essas práticas não estão presentes apenas nas empresas, mas em todas as organizações, inclusive nas filantrópicas e religiosas, duas esferas pelas quais também circulo e constato essa identificação.

No caso do uso do poder, vejam que interessante:

1) Citando Robert Dahl, Morgan diz que "o poder envolve a habilidade para conseguir que outra pessoa faça alguma coisa que, de outra forma, não seria feita".

2) Nas organizações, a autoridade formal pode se fundamentar no carisma, na tradição ou na lei. Esta última, chamada de "poder burocrático" (porque baseado em regras) é a mais óbvia nas organizações, mas só se torna eficaz à medida que seja legitimada pelos níveis mais baixos. O movimento sindical, por exemplo, tem se valido disso, canalizando o poder existente nos níveis mais baixos da pirâmide para desafiar o poder do topo.

3) Uma importante fonte do poder está no uso da estrutura organizacional, das regras e regulamentos, como instrumento político. Um exemplo de como isso pode ser utilizado está num dos paradoxos da organização burocrática. As mesmas regras usadas para orientar uma atividade, podem ser usadas para bloquear operações. Conhecem aquela frase: "isso não faz parte do meu cargo", ou "não sou pago para isso"?... outro exemplo: os funcionários da rede ferroviária britânica resolveram fazer uma "greve de zêlo". Já que não conseguiam sucesso em suas campanhas salariais, decidiram simplesmente seguir estritamente o que os regulamentos solicitam. Os resultados foram atrasos na saídas dos trens, programações interrompidas, um quase colapso de todo o sistema.

4) Outro "truque" importante está no controle do processo decisório. É comum que os detentores de poder decisório manipulem a escolha em termos das próprias intenções que são quase sempre ocultas, a fim de criar resultados que desejem. São essas intenções ocultas que permitem a muitos deles emergir triunfantes depois de horas de discussão em círculo que terminam em impasse. Em termos políticos, a tomada de decisão organizacional envolve evitar que decisões cruciais sejam tomadas a fim de favorecer a quem realmente deseja.

Ainda nesse aspecto, uma das formas mais eficazes de chegar a uma decisão é permitir que ela seja feita por falta de escolha ou omissão (isso se denomina "manipulação das premissas da decisão"). Assim, muito da atividade política dentro das organizações se baseia no controle de assuntos e outras premissas decisórias que influenciam como uma decisão particular será focalizada, talvez de formas que evitem certos aspectos venham à tona.

Evitando-se a discussão explícita sobre um assunto, pode-se ter condições de se chegar precisamente aonde se quer!! E essa tática de evitar que certos assuntos se transformem em temas quentes que devem orientar a atenção, mostra-se frequentemente popular entre aqueles que desejam preservar o status quo.

A manipulação pode se dar também no "processo de decisão". Quem deve tomar a decisão? Como deve ser tomada a decisão? Quem deve fazer parte da decisão? Quando deve ser tomada a decisão? Essas regras básicas são variáveis importantes que os membros da organização podem manipular e usar para virar as pessoas a favor ou contra uma ação.

Por fim, é possível influenciar "resultados e objetivos" a serem atingidos e o critério de avaliação a ser empregado. Isso se dá por meio de preparação de relatórios, contribuindo com a discussão sobre a qual a decisão deverá se basear. No mais, eloquência, tenacidade ou persistência podem, ao final, vencer, quando adicionados ao poder pessoal para influenciar as decisões nas quais alguém esteja envolvido.

5) Outra fonte está no controle do conhecimento e da informação. Com tais recursos-chaves, uma pessoa pode sistematicamente influenciar uma definição de situações organizacionais e criar padrões de dependência. Já dizia W.I. Thomas que "se as pessoas definem situações como reais, elas serão também realistas quanto às consequências". Conhecem os "filtradores de informação"? São aqueles que abrem e fecham canais de comunicação, resumem, analisam e determinam o conhecimento de acordo com a visão do mundo que favoreça os seus interesses. Ainda nesse tópico, chama à atenção o "poder dos especialistas", os quais usam seus conhecimentos como meio de legitimar o peso de sua influência sobre determinadas decisões.
6) Poder de fronteira: pessoas que têm acesso ao exterior, monitoram mudanças fora do grupo ou organização e adquirem conhecimento de fatores interdependentes críticos que irão afetar as decisões intra-organizacionais, ganham uma posição particularmente poderosa para interpretar com maior amplitude o alcance da decisão a ser tomada e, exercem especial influência sobre a realidade organizacional que dirigirá a ação. E diga-se que esse poder não é uma disfunção endógena, a depender de quem o detenha. A organização pode se beneficiar de pessoas com esses recursos, mas pode também ser por tais pessoas prejudicadas. Esse caso é muito comum entre assessores, secretárias e representantes de estruturas confederativas.
7) Alianças interpessoais e redes de organização informal: amigos altamente colocados, mentores, coalizões com pessoas preparadas para transacionar apoio e favores para promover os fins individuais das pessoas, redes informais de consulta às bases, "web groups" ou "listas", sondagens ou simples bate-papos; tudo isso oferece fonte de poder aos envolvidos.
O indivíduo pode odquirir informações a priori de desenvolvimentos que sejam importantes aos seus interesses, exercer várias formas de influência interpessoal para produzir esses desenvolvimentos da forma desejada e preparar caminho para proposições que esteja interessado em concretizar.
Há pessoas habilidosas que sistematicamente forjam e cultivam tais alianças, incorporando, sempre que possível, a ajuda e influência de todos aqueles que tenham importante interesse no campo no qual opera.
As coalizões bem sucedidas não contêm apenas amigos vencedores, mas inimigos potenciais. Isso porque a moeda da construção da moeda coalizão é a da dependência mútua e da troca. Por isso, não é de se estranhar a aproximação entre empresários concorrentes, de administradores e agentes da arrecadação pública, e de dirigentes de empresas e sindicatos, esta última também chamada de "poder compensatório".
Por fim, as formas mais explícitas de coalização se dão nas associações profissionais; outras, talvez até invisíveis, se dão entre "ex-colegas de faculdade", ou em clubes de golfe e tênis, em grupos de motoqueiros ou ainda em jantares regulares e "informais".
8) Simbolismo e administração do sentido: essa fonte de poder reside na habilidade que tem uma pessoa para persuadir os demais a idealizar realidades que sejam mais interessantes para alguém perseguir.
Liderança, em última análise, envolve a habilidade de definir a realidade para os demais. Enquanto o lider autoritário tenta forçar a realidade aos seus subordinados, a influência dos líderes democráticos é mais sutil e simbólica. Ele usa o seu tempo ouvindo, resumindo, integrando e orientando aquilo que está sendo dito, fazendo intervenções, juntando idéias, imagens e valores que ajudam os envolvidos a dar sentido à situação com a qual estão lidando. Nesse processo de administração do sentido, são muito utilizadas: as imagens, o teatro e a arte de ganhar sem romper verdadeiramente as regras do jogo.
9) Fatores estruturais: um dos aspectos mais surpreendentes que se descobre conversando com os membros de uma organização é que dificilmente alguém admite que tenha algum tipo de poder real. A esta altura do post, vale a pena mencionar o paradoxo: como podem existir tantas fontes de poder se existem tantos sentimentos de falta de poder? Pensemos nisso...
10) Finalmente, o poder que já se tem. O poder é uma via para o poder e, com frequência, é possível usá-lo para adquirir mais poder ainda.
Muito ainda há para ser discutido nesse tema. Não falamos da ambiguidade do poder, nem se ele pode ser compreendido como um fenômeno do comportamento interpessoal ou como manifestação de fatores estruturais instalados, nem ainda se as pessoas exercem o poder como seres autônomos ou como portadores de relações de poder que são o produto de forças mais fundamentais, e mais, se o poder é um recurso ou um relacionamento.
De qualquer modo, o poder está aí, presente nas interações da coletividade. Que como dirigentes, sejam quais forem as esferas de atuação, o exerçamos teleologicamente, submetendo os meios aos fins, e preocupando-nos em institucionalizarmos na sociedade a legitimação que Deus nos deu para sermos seus dispenseiros!
Os meus colegas do mestrado que lerem esse último parágrafo não devem estar entendendo nada o que Morgan tem a ver com Deus... isso eu explico pessoalmente...
Abraços!

Comentários

Unknown disse…
Obrigado pelo texto.
Li e achei muito interessante a franqueza com que o assunto foi abordado, entretanto sabemos que esta é uma discussão bastante profunda, necessária e que demanda muito tempo e pesquisa.
Gostei de seu posicionamento no final. Deus te faça crescer mais e mais na sabedoria e no conhecimento que busca.
Abraço fraterno,
Rogério
Erich Caputo disse…
Ricardo,

Li o texto, achei bom, não postei comentário por não ter conta no google (mea culpa).
Gostaria de dizer algo interessante, pois eu acho o tema, nas palavras do professor...instigante. Infelizmente, não me vem nada na cabeça no momento. Depois você me fala sobre esta relação entre Marx, digo Morgan e Deus.

Abraços
Edgar disse…
Oi Ricardo,

Tudo bem?

Sim, achei bem interessante.

Abracos,
Edgar
Anônimo disse…
Olá Ricardo
Gostei muito do artigo e digo que vem ao encontro do que penso com relação às instituições, principalmente as filantrópicas e religiosas. Diria até que é um "mal necessário", mas que nos coloca com um pé atrás. Você me conhece e sabe do que falo.
Grande abraço a você e a Regi

Norma
Unknown disse…
Caro Ricardo,

Saudades de nossos embates tão criativos!

Muito interessante a sua síntese, mas a principal constatação é aquela, logo no início, onde você menciona que isto ocorre em QUALQUER INSTITUIÇÃO!

Dá uma sensação de "matrix", não dá? A progressiva descoberta e entendimento das estruturas sociais (com base na psicologia social/individual) nos deixa muito frágeis, não deixa?

Lembrando que poder se recebe (por coação, sedução, etc.), fico imaginando - sem conseguir imaginar - como muitos ocupam os "locus" sociais que ocupam ;-)

Grande abraço!

Luiz Lima
ricardo disse…
Tudo bem, Luiz?

eu também tenho boas lembranças dos nossos tempos de inovação e RBV.

Quanto ao Morgan, foi mesmo uma "síntese-desabafo", considerando o contexto pelo qual estava passando.

Minha angústia passou. A realidade, retratada pelo Morgan, continua a mesma...

Encaremos tudo isso como uma "externalidade positiva".

Grande abraço.

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