Maioridade Penal

Escrito em parceria com Fernando Abraão

A onda de violência envolvendo atos hediondos praticados por menores de 18 anos, bem como a sensação de insegurança e impunidade que tem assolado a sociedade brasileira, fez ressurgir a conhecida crítica ao sistema criminal brasileiro de isentar de pena as pessoas “inimputáveis”, consideradas pela lei penal, incapazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (artigo 26, Código Penal). Incluem-se nesse grupo os menores de 18 anos que, no entanto, se sujeitam às normas estabelecidas pela legislação especial (artigo 27, Código Penal).

A disciplina penal dos menores de 18 anos é regida pela Lei 8069/90, conhecida como Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Ali, logo em seu art. 2º, estão definidos os termos “criança” (pessoa até 12 anos) e “adolescente” (pessoa de 12 a 18 anos). Está definida também a expressão “ato infracional” que é “a conduta descrita como crime ou contravenção penal” (art. 103), que sujeitará a criança ou adolescente às chamadas “medidas sócio-educativas”, cujo rol do artigo 112 elenca ações como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional e outras medidas de proteção prevista no art. 101.

O ECA proíbe que adolescentes sejam privados de liberdade a não ser se pegos em flagrante ou por ordem judicial (art. 106). No primeiro caso, poderão ser apreendidos por, no máximo 45 dias, enquanto aguardam sentença do juiz. Se a infração for leve, o menor poderá ser advertido, obrigado a reparar o dano causado ou a prestar serviços gratuitos à comunidade. Se a pena for grave, poderá haver a sentença de liberdade assistida pelo período mínimo de seis meses (art. 118). Se a infração for de grave ameaça ou violência à pessoa (art. 122, I), o menor poderá ser sentenciado ao cumprimento de internação cuja duração máxima será de três anos, reavaliados semestralmente (art. 121, §§ 2º e 3º), em entidade exclusiva para adolescentes (art. 123) e que nunca poderá ser estendida para além dos 21 anos de idade do infrator (art. 121, § 5º). Por fim, são também previstos no ECA um rol de deveres à família (artigos 19 a 24) e ao Estado (art. 54) no que diz respeito ao cuidado da criança e adolescente.

Como se vê, o sistema brasileiro criou um regime de proteção especial de crianças e adolescentes que, mesmo diante de atos infracionais por eles cometidos, ainda assim os presume inimputáveis e, por isso mesmo, redunda em atos que os conduz à sociabilização, reeducação e assistência, sem que haja responsabilização por suas ações.

Contudo, os fundamentos do sistema jurídico brasileiro que disciplinam os “atos infracionais” cometidos por menores, pela sua ênfase exclusiva na prevenção e rejeição de qualquer espécie de repressão criminosa, encontram-se distantes dos princípios encontrados na Palavra de Deus. A Bíblia nos revela que o pecado perfilha todo gênero humano e por consequência, não há espaço para inimputabilidade, seja de homem, mulher ou criança.

Um texto contundente sobre como Deus disciplinou a questão para o povo de Israel no período mosaico está registrado em Dt 21.18-21. Ali está dito que um homem que tivesse um filho (designado pela palavra ben, indicando descendente masculino de qualquer idade) que fosse contumaz (refratário, obstinado, resistente) e rebelde, que não obedecesse aos pais nem mesmo se castigado, mas persistisse em sua dissolução (leviandade, precipitação, impulsividade) e embriaguez (modalidade de estado de alteração da consciência), deveria ser conduzido à força (agarrado, tâphas) até as autoridades para que, declarada a sua conduta persistente no erro, fosse apedrejado até a morte. Importante a conclusão da passagem: “Assim, eliminarás o mal do meio de ti; todo o Israel ouvirá e temerá” (Dt. 21.21b).

O Novo Testamento dá as mesmas instruções divinas aos pais pertencentes à igreja (1 Tm 3.4-5) e aos seus filhos (Ef 6.1-4). Honrar os pais traz consigo a promessa de Deus de prolongar a vida daquele que os honra sobre a terra (v. 3; Ex 20.12). Além disso, a igreja tem o dever de disciplinar a todos os crentes que se desviam do caminho (Hb 12.1-13), aplicando, de modo crescente em intensidade, penas sobre aqueles que sejam endurecidos (Mt 18.15-20). A igreja, todavia, se sujeita não somente à autoridade eclesiástica, mas também à autoridade temporal (Rm 13.1-7). Ali está dito que “não é sem motivo que [a autoridade] traz a espada” (v.4), indicando por que meio seria executada a justiça naqueles dias. Cabe dizer, ainda, que não havia diferenciação entre infratores, e sim entre infrações naqueles dias. Desse modo, mesmo sabendo que alguém poderia ser duramente condenado por seus atos independentemente de sua idade, a Bíblia ensina a submissão à autoridade naquilo em que Lei não se oponha ao próprio Deus (At 4.19-20 e 5.29). 


As ciências jurídicas de modo geral são construídas com base no primado da autonomia da razão e da dignidade da pessoa humana. Quando Deus e sua Palavra deixam de ser o fundamento para a regulação das relações intersubjetivas, o resultado se revela catastrófico. A inimputabilidade penal aplicada aos menores de 18 anos é apenas mais um reflexo da agonia de um sistema que despreza a Deus e sua vontade revelada.

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