Educação à chinesa é a solução?


Fontes: Milly Lacombe e Claudio Castro


Acaba de ser lançado nos EUA um livro que promete estar no topo das obras mais polêmicas de 2011. Seu título é Battle Hymn of the Tiger Mother, da chinesa-americana Amy Chua.

Em Tiger Mother o duelo não é pelo poder mundial entre China e Estados Unidos, mas por um poder ainda mais fundamental: o do lar.

Amy Chua, 48, americana, mas filha de pais chineses, está na berlinda por ter escrito basicamente o seguinte: a educação ocidental é miserável se comparada à oriental.

No ocidente, segundo ela, os pais deixam que os filhos controlem o lar e tenham poder de escolha. Isso os torna relapsos, mal educados, grosseiros, preguiçosos e não permite o desenvolvimento de nenhum talento específico.

A educação oriental, em contrapartida, é autoritária, mas tira o melhor da criança, preparando-a para uma vida de sucesso e elevada auto-estima.

As críticas ao livro são, de forma geral, de mães americanas profundamente ofendidas com alguns trechos, nos quais Chua esculacha facetas da cultura ocidental, começando com a veneração ao politicamente correto.

A colunista Milly Lacombe coloca a autora, Chua, em perspectiva:

"Chua é professora do curso de Direito na Universidade de Yale e autora de livros cabeçudos de títulos barroco como World on Fire: How Exporting Free Market Democracy Breeds Ethnic Hatred and Global Instability – ou “Mundo em chamas: como a exportação da democracia do mercado livre provoca aversão étnica e instabilidade global”. O conjunto de sua obra técnica é altamente respeitado nos Estados Unidos.

Com o lançamento de Tiger Mother Chua colocou fogo em seu próprio mundo.


Ela nasceu nos Estados Unidos porque seus pais imigraram logo depois de casar. Mas foi educada à moda oriental, que, segundo ela, faz uso de gritos, disciplina extrema, palavras ríspidas, rigidez absoluta e pouca troca de intimidade e afeto. Quase um quartel-general. Avalia que deu certo e, por isso, decidiu replicar a educação que recebeu nas filhas, que nasceram nos anos 90 nos Estados Unidos.

Evidentemente, trata-se de um pedido para ir à guerra.

O acordo que fez com o marido, Jed Rubenfeld, americano, judeu, acadêmico e também escritor foi o de que as crianças seriam educadas de acordo com o padrão oriental de qualidade. Mas, para deixá-lo menos por fora, seriam judias.

Rubenfeld aceitou a casadinha sem saber onde estava se metendo. Vejamos uns trechos do livro:

“Uma vez – quando fui extremamente desrespeitosa com minha mãe, meu pai, raivosamente, me chamou de “lixo” em nosso dialeto. Funcionou muito bem. Senti-me mal e envergonhada pelo que havia feito. E não tive minha auto-estima danificada ou coisa parecida (…) Como adulta, uma vez fiz a mesma coisa com [minha filha mais velha] Sofia.”

Ou

“Era uma tarde de inverno congelar em New Haven, Connecticut, um dos dias mais frios do ano. Jed estava no trabalho (…) e Sofia na escolinha. Decidi que seria um momento perfeito para apresentar Lulu [ a segunda filha, que tinha então três anos] ao piano. (…) coloquei-a sobre o banco, onde estavam alguns travesseiros. E então demonstrei como tocar algumas notas com um único dedo. Fiz isso por três vezes e pedi que ela fizesse também. Um pedido pequeno, mas Lulu recusou, preferindo bater em todas as teclas que conseguia com as duas palmas das mãos abertas. Quando pedi que parasse, ela bateu mais forte e mais rápido. Tentei tirá-la do piano e ela começou a se debater violentamente. Quinze minutos depois, ainda estava se debatendo, e cheguei a meu limite. Desviando de seus golpes, arrastei aquele pequeno demônio para perto da porta e a abri (…) Meu rosto doía apenas de ficar exposto ao ar gelado que entrava. Mas eu estava determinada a criar uma obediente criança chinesa – no Oeste obediência é associada a cachorros e ao sistema de castas, mas na cultura chinesa, está entre as maiores das virtudes – nem que isso me levasse à morte. “Você não pode ficar dentro de casa se não obedecer à mamãe”, disse resoluta. “Você está pronta para ser uma boa garota? Ou quer ir lá para fora?” Lulu deu um passo para fora da casa e ficou me encarando desafiadoramente (…) Foi então que eu percebi claramente. Eu havia subestimado Lulu, sem entender do que ela era feita.”

Chua exige das filhas mais do que o máximo. Exige que toquem com precisão profissional piano ou violino. Nenhum outro instrumento é permitido. Exige que pratiquem entre cinco e seis horas por dia. Exige que tirem não apenas A, mas A+. Exige que nunca durmam fora de casa, nunca brinquem com colegas de escola ou vejam televisão, e que não deixem de praticar seus instrumentos nem aos sábados, nem aos domingos, nem nas férias familiares. Quando viajam para um local distante, ela aluga salas que tenham pianos e, certa vez, chegou a alugar um bar.

Mas, entre todas, uma passagem talvez defina Chua de forma mais categórica.

Quando as crianças eram pequenas, a família foi comemorar o aniversário de Chua em um restaurante italiano. Jed pediu então que cada uma das meninas fizesse um cartão de aniversário para a mãe. À mesa, as meninas, ainda pequenas, deram o presente. Os cartões diziam coisas como: “Para a melhor mãe do mundo”. Chua olhou e devolveu, esclarecendo que esperava delas algo muito mais inteligente, criativo e culto. E obrigou-as a refazer, para constrangimento de Jed – que passa boa parte do livro questionando privadamente o sistema educacional de Chua.

Com tudo isso, fica fácil achar que Chua é uma mãe sem coração, um general com poderes maternos. Mas está bem longe disso.

O livro, bem escrito e cheio de fluidez, é uma auto-crítica – e fica a impressão que Chua, ao escrevê-lo, desvendou-se.

A terceira parte começa assim: “Tigres são capazes de grandes manifestações de amor, mas, quando o fazem, se tornam muito intensos. Eles são também territoriais e possessivos. Solidão é, muitas vezes, o preço que pagam por sua posição de autoridade”.

Mais do que a história da mãe-malvada e autoritária, trata-se de uma história de amor. Mais precisamente, de uma história de excesso de amor e, como todos sabem, excesso de amor muitas vezes se manifesta de forma nociva e cruel.

Chua é uma mulher acadêmica, racional e, da forma como sabe, tenta se analisar. Faz isso pelas páginas do livro que escreveu.

O final é revelador, e, é bastante provável, quem tanto critica Chua talvez não tenha chegado às últimas páginas, ou não tenha se permitido entender o que está escrito nos muitos níveis do livro.


Não há no mundo relacionamento mais complexo do que o de mãe e filha. Chua não tenta esconder isso, nem suas certezas, nem suas fraquezas, nem seus medos – embora eles estejam fantasiados de convicções."



No Brasil

O livro está sendo debatido nos EUA, mas no Brasil a versão impressa nem chegou a esquentar as prateleiras e já está sendo consumida (e digerida) com a velocidade (e congestão) de um fast-food.

O ilustre colunista Claudio de Moura Castro já cuidou de tropicalizar e tema e encampar a mensagem de Chua em seu artigo da Revista Veja (09/02/2011), O sputnik chines e a educação, numa menção honrosa ao modo chinês de educar.

Nesse embate reducionista e dual do modelo educacional do ocidente versus oriente, talvez haja um vazio a ser preenchido pela cosmovisão cristã, procedente do judaísmo, consumada na pessoa e obra de Cristo e restaurada nos princípios da reforma protestante: um sistema que o ocidente perdeu e que o oriente nunca chegou a conhecer.

As questões que Chua não dá conta de responder com seu modelo tiger de educação são as seguintes:


  1. Quais as motivações para o seu modelo educacional?
  2. Quais os propósitos?
  3. E se o modelo não funcionar (como pode ocorrer na maioria das famílias que se propuserem a adotá-lo)? como reagir? o filho deve ser morto ou há dignidade para quem tiver uma nota B em seu boletim escolar?
  4. Vou adiante: essa base epistemológica baseada no confucionismo chinês é a melhor resposta para o modelo ocidental decaído e imerso numa cultura pós-moderna?
  5. Disciplina militar associada com a competitividade nascida nos entremeios da teoria da firma (que resgatam temas da política e economia, aplicados à competição geopolítica e empresarial) são bons ingredientes para, sozinhos, pautar um sistema educacional?

A excelência é sempre benvinda, mas quando ela estiver submetida ao propósito supremo de honrar e glorificar ao nosso Deus, criador, mantenedor e provedor de todas os aspectos da nossa existência, para a vida e para a morte, para a saúde e para a doença, para inteligência e para demência.

Se me perguntarem o que eu e minha esposa esperamos de nossa filha, Juliana, como pai e humano, diria que gostaria que ela fosse uma exímia pianista, fluente em três línguas e com passagens pelas melhores universidades nacionais ou internacionais.

Diria até mesmo que farei o máximo esforço para oferecer-lhe o melhor que puder, sob todos os aspectos e dimensões da vida.

Contudo, quando nos propomos ao que eu escrevi no parágrafo acima, nos deparamos com a nossa realidade: a de que não somos deuses e sim as criaturas.

Como corolário disso, resta-me então uma preocupação que norteia e deriva todas as demais: a que a nossa filha seja uma crente no nosso Senhor Jesus Cristo; que seja um bênção, onde estiver, nas circunstâncias, limitações e possibilidades que Deus se dignar lhe proporcionar.

Portanto, nessa abordagem de Chua, faltou lembrar que "a estrutura é maior que a agência", o ambiente não se limita ao visível e palpável; a complexidade da vida e sua abrangência é muito maior do que a sua formação jurídica lhe pode oferecer.

E quando nos lembramos do nosso Deus, dirigindo a história e nossas vidas, a despeito das nossas responsabilidades (que não são pequenas) ficamos humilhados e, paradoxalmente, contentados a viver "em toda e qualquer situação", mas sem nos acomodar, sempre "no caminho", sempre num processo de "santificação" e busca por fazer o bem, o que é certo, o que é justo, contudo sem encontrar mérito, nem causação, nem forças em nós mesmos, porém alicerçados na graça salvadora e na consolação que somente o nosso Deus, por sua Palavra e pelo Seu Espírito, pode dar.

Essa sequência do "a despeito...mas...contudo...porém..." mostra o grande desafio de associar a soberania de Deus com a responsabilidade humana.

Sejamos rigorosos com os nossos filhos, ofereçamo-lhes o melhor, estabeleçamos altos padrões para todos os aspectos da vida, mas não façamos do "padrão educacional" (chines, americano ou brasileiro) um ídolo, lembrando de que são meios, providos pelo próprio Deus, na medida de sua soberana vontade, para que a glória de Deus seja exaltada, expressando-se em nós e em nossas famílias.

Para terminar, Salmo 127 coloca a família (e a educação) na perspectiva de Deus:

SALMO 127

Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam; se o SENHOR não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela.
Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois assim dá ele aos seus amados o sono.
Eis que os filhos são herança do SENHOR, e o fruto do ventre o seu galardão.
Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade.
Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava; não serão confundidos, mas falarão com os seus inimigos à porta.


É... eu diria que se Chua tivesse ao menos ouvido o seu marido judeu, talvez nem tivesse tido a necessidade de escrever a sua auto-crítica...ops.... seu livro.

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