Terceirização, Súmula 331 do TST e o Consórcio Modular

A Súmula 331 do TST é aplicável ao caso dos trabalhadores das empresas participantes da gestão por Consórcio Modular?

        A terceirização, sob a perspectiva trabalhista, é entendida como um “fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente” (DELGADO, 2011, p. 426). O trabalhador é inserido no processo produtivo do tomador de serviços sem que se lhe estenda a respectiva relação jurídica, que é mantida apenas em relação ao ente interveniente.

         Diante da inexistência de regulamento legal sobre a terceirização - exceção feita às atividades estatais (Decreto-Lei n. 200/67), ao trabalho temporário (Lei 6019/74), à vigilância bancária (Lei 7102/83) e ao trabalho cooperativo (Lei 8949/94) – restou à jurisprudência trabalhista normatizar o tema culminando com a edição da Súmula 256, do TST, que terminantemente vedava a terceirização, posteriormente substituída pela Súmula 331, que passou a distinguir “atividade-fim” e “atividade-meio”, como um dos critérios de aferição da licitude da terceirização perpetrada.

         De acordo com a Súmula 331, sob a fórmula empregatícia clássica, as situações de terceirização lícita são, portanto, apenas as relativas ao trabalho temporário (inciso I), às atividades de vigilância (inciso III), de conservação e limpeza (inciso III) e aos serviços especializados ligados a atividade-meio do tomador.

         No mais, a Súmula 331 veda o uso fraudulento do modelo terceirizante ao afirmar que as situações acima tipificadas (a priori, lícitas) também se tornam ilícitas se presentes a pessoalidade e subordinação direta entre trabalhador terceirizado e tomador de serviços (inciso III).

         Cabe observar que a regulamentação da terceirização, com o viés restritivo e por via jurisprudencial, apresenta duas presunções e um objetivo.

         A primeira presunção é a de que o fenômeno da terceirização estaria sempre acompanhado de inexorável diminuição de patamares mínimos civilizatórios de direitos trabalhistas. Corre no meio jurídico a idéia de que “ninguém terceiriza para manter os mesmos direitos trabalhistas”. Ao lado da idéia da precarização trabalhista, surgiria também um problema isonômico, por meio da discriminação remuneratória entre empregados terceirizados e contratados diretamente pela tomadora dos serviços.

         Outra presunção a justificar a restrição à terceirização estaria no efeito desorganizador da atuação sindical, mediante a supressão de qualquer possibilidade eficaz de ação, atuação e representação coletivas dos trabalhadores terceirizados.

         Por esta razão com a restrição da terceirização, estaria o ordenamento justrabalhista efetivando a proteção do trabalhador com base em princípios e regras constitucionais assecuratórias da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da valorização do trabalho e emprego (art. 1º, III c/c o art. 170, caput), da busca de construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), do objetivo de erradicação da pobreza e redução de desigualdades sociais (art. 3º, III) e da busca da promoção do bem estar de todos (art. 3º, III).

         O ideário de maximização dos resultados econômicos das atividades empresariais, por meio da redução de custos, otimização de recursos e eficiência em processos, tem gerado impacto nas estruturas e nas formas organizacionais que desafiam o clássico modelo da relação empregatícia bilateral expressa nos artigos 2º e 3º da CLT.

         A terceirização se expande e dá ensejo a novas formas e estruturas organizacionais, mais dinâmicas, complexas e fragmentadas, a exemplo de arranjos produtivos locais, clusters, redes ou consórcios de empresas.

         Embora a justificação econômica desses arranjos organizacionais seja bem mais ampla que a questão social abordada pelo Direito, a doutrina jurídica e a jurisprudência, partindo das presunções acima apontadas, passa a ampliar o  elemento fulcral do contrato de trabalho – a subordinação – para que sejam reconhecidos como empregados todos aqueles que estiverem vinculados (direta ou indiretamente) à atividade econômica principal de uma dada organização. A subordinação assume um caráter reticular ou estrutural para traspassar o fenômeno da pejotização e até mesmo da terceirização fundamentada na especialização e fragmentação da cadeia de valor das organizações.

         No caso dos consórcios modulares, embora se possa pensar num modelo de terceirização de serviços especializados de “atividades-fim”, portanto, vedado pela Súmula 331, TST, são na verdade redes de empresas que se reúnem como arranjos firmados  em bases contratuais, com visão coletiva na consecução de objetivos comuns, orientadas por funções e recursos compartilhados para a geração de economias externas e redução de custos (Di SÉRIO, 2005).

         Tomando-se o primeiro exemplo do Consórcio Modular do mundo, conduzido pela empresa Volkswagen Caminhões, em Resende (RJ), a experiência relata um modelo no qual as empresas fornecedoras seriam responsáveis por um único módulo da montagem dos caminhões. Enquanto os parceiros se dedicariam ao processo, com a montagem completa dos kits e responsabilidade sobre a integralidade dos salários, encargos e benefícios de seus empregados, que significavam 100% de mão de obra direta contratada, a empresa Volkswagen Caminhões se dedicaria às atividades de projeto, desenvolvimento, certificação, qualidade e pós-venda, fazendo o pagamento aos fornecedores após a aprovação final do produto.

         A eficiência buscada nestes modelos se dá pelo incremento da produtividade e qualidade, cuja vantagem competitiva se obtém pelas diminuições dos custos das transações inter-empresariais, sem nenhuma alusão, ainda que indireta, às relações justrabalhistas (a não ser no que tange à diminuição, ou eliminação, de contratação de empregados “indiretos”).

         No mais, ao contrário do que se imagina, os trabalhadores de um consórcio modular, dadas às vantagens da localidade e dos vínculos comuns, têm melhores condições de se organizarem em âmbito sindical, o que afasta o argumento de que a terceirização, nesse caso, atentaria contra direitos coletivos dos trabalhadores.

         Assim, o modelo do consórcio modular, em razão dos vínculos e objetivos comuns, se aproxima mais da figura do “grupo econômico” (artigo 2º., parágrafo 2º, CLT) do que da mera terceirização, cujos exemplos poderiam se dar nos casos de “cadeias de suprimento” ou “arranjos produtivos locais”.

         Como efeito prático dessa classificação, ao invés de se lhe aplicar o efeito da formação do vínculo direto do trabalhador com o empregador oculto (hipótese da Súmula 331, I, para os casos de terceirização ilícita), no consórcio modular, os vínculos jurídicos formados entre as partes são mantidos, restando apenas a solidariedade entre empresas contratantes e sua subordinante, para os efeitos das relações de emprego estabelecidas.

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