Desconsideração da Personalidade Jurídica e Fraude à Execução Trabalhista


Durante a fase de conhecimento, antes da prolação da sentença, o sócio de uma empresa que respondia a uma Reclamação Trabalhista vendeu um imóvel de sua propriedade.

Posteriormente, na execução definitiva, operou-se a desconsideração da personalidade jurídica e o referido sócio passou a figurar no polo passivo da ação.

Pergunta-se: o bem alienado anteriormente está vinculado por fraude a execução? 

Se este bem tivesse sido alienado após a execução mas antes da desconsideração, seria hipótese de fraude a execução?

Inicialmente apresentada como teoria e posteriormente positivada no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da "desconsideração da personalidade jurídica" surgiu como uma mitigação do principio da entidade ou da máxima positivada no artigo 20 do Código Civil de 1916 de que "a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus membros" (art. 20, CC1916).

Esse instituto se desenvolveu a partir do reconhecimento da insuficiência do regime de responsabilização patrimonial dos sócios da pessoa jurídica das chamadas "sociedades limitadas", que, primam pela responsabilidade subsidiária e pela limitação ao valor do capital social. 

Constatou-se que, não raras vezes, as sociedades se desviavam de seus princípios e fins, cometendo fraudes e lesando terceiros, e por essa razão a doutrina e a jurisprudência passaram a não mais considerar os efeitos e limites da personificação  da sociedade para que sócios e administradores passassem a responder pessoalmente  por dívidas e danos que a empresa causasse a terceiros.

A possibilidade de desconsideração foi acolhida pelo Código Civil de 2002 prescrevendo em seu artigo 50 que "em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir...que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".

No âmbito das relações de consumo, a desconsideração também já havia sido positivada no artigo 28, do CDC, ao estabelecer que "o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatuto ou contrato social,... falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração (...)". Acrescente-se que no parágrafo 5o. do artigo 28, CDC a desconsideração da pessoa jurídica também ocorrerá "sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores". 

Doutrinariamente, foram então identificadas duas teorias acerca do instituto: uma "teoria maior" que propugna a desconsideração mediante a presença de dois requisitos: (a) abuso de personalidade jurídica e (b) prejuízo ao credor, adotada pelo artigo 50, do Código Civil; e uma "teoria menor", que defende a desconsideração com base unicamente na existência do prejuízo ao credor, adotada pelo artigo 28 do CDC. 

No âmbito das relações de trabalho, não resta dúvida que a desconsideração da personalidade jurídica foi amplamente adotada na concepção da "teoria menor", acima enunciada, tendo em vista a influencia do princípio protetor e da ubiquidade nas relações trabalhistas. 

Por outro lado, remanesce a questão sobre se o sócio de empresa demandada na Justiça do Trabalho, ao dispor de seu patrimônio no momento em que nem se dera ainda a desconsideração da personalidade jurídica de sua empresa, estaria cometendo ato atentatório à dignidade da Justiça, dentre os quais, se inclui a fraude à execução (artigo 600, CPC).

A elucidação da questão depende do conceito de fraude à execução, o que é dado pelo artigo 593, CPC: "Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando ao tempo da alienação ou oneração corrida contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei.

Aqui se mostra relevante examinar que o marco cronológico para a presunção de fraude fixada pelo legislador se dá quando houver demanda capaz de reduzi-lo à insolvência

Sendo assim, e considerando que no processo do trabalho a distribuição da ação tem o efeito de citação, o simples ajuizamento da ação já se mostra suficiente para a caracterização de presunção de fraude.

E embora a demanda se tenha voltado para a pessoa jurídica, o sócio já dispunha de condições fáticas e jurídicas para saber que, num dado momento, diante da frustração da satisfação do credor, poderia vir a sofrer a desconsideração com afetação do seu patrimônio.

Portanto, mesmo que venha o sócio a integrar a lide posteriormente ao ajuizamento da ação, talvez somente em fase de execução, o desfazimento de patrimônio pessoal que o reduza à insolvência, em prejuízo de credor da empresa reclamada, constitui ato atentatório à dignidade da justiça, sujeito portanto à declaração de ineficácia judicial. 

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