Proteção do Trabalho da Mulher e sua Compatibilidade com a Regra de que "Homens e Mulheres são iguais perante a Lei".


Como conciliar o artigo 384 da CLT com o princípio da igualdade e com o  instituto da discriminação positiva?

A CLT dedica um capítulo exclusivo para regular a proteção ao trabalho da mulher (artigos 372 a 401), com regras sobre  a duração e condições de trabalho, a proibição de diferentes formas de discriminação, o período de descanso, o trabalho noturno, os métodos e locais de trabalho além da proteção à maternidade. 

Dentre elas, consta no artigo 384, que "em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário de trabalho".

Com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo inciso I do seu artigo 5o. estabelece que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição", surgiu a indagação sobre se teria o artigo 384 da CLT sido recepcionado pela  nova ordem constitucional. 

Em outros termos: subsiste no sistema jurídico brasileiro regra  positivamente discriminatória em favor da mulher sem que se viole o direito fundamental à igualdade apregoada pelo artigo 5o, da novel Constituição?  

Há que se ponderar que a igualdade tutelada pela ordem constitucional não é formal ou nominal, mas de vértice material. Assim a igualdade apregoada se efetiva na medida em que se reconhecem as diferenças para daí resultar na consecução da isonomia jurídica. 

Nesse  sentido o constituinte tratou de estabelecer um princípio que obstasse discriminações e extinguisse privilégios tanto "na lei" (função legislativa) quanto "perante a lei" (função de subsunção da lei ao caso concreto). 

No caso das relações de trabalho, o princípio teria o condão de combater diferentes formas de discriminações que historicamente sempre atingiram as mulheres, tanto sob a forma da discriminação horizontal (restrições de vagas de trabalho) quanto na discriminação vertical (dificuldade encontrada pela mulher de ascender na carreira profissional, pelo simples fato de ser mulher). 

Por outro lado, não resta dúvida que há diferenças do gênero que devem ser reconhecidas e discriminadas. 

É a mulher e não o homem quem está apta à maternidade, daí porque várias normas protetivas e discriminatórias protegem a mulher mas visam tutelar o estado gravídico, o nascituro, o recém-nascido em última análise. 

Também se reconhece que a constituição física, óssea e muscular, da mulher não se  assemelha com a do homem, sendo portanto razoável, por exemplo, a regra que limita a carga máxima de carregamento de peso a 20/25 kg para a mulher diferente do limite estabelecido para o homem que é de 60 kg (artigos 198 e 390, CLT). 

Quanto à regra do artigo 384, CLT, que estabelece a pausa obrigatória de quinze minutos para a mulher (e não a prevê para o homem), a questão não encontra consenso, havendo pelos menos três posições a respeito: 

Há defensores da compatibilidade da regra com a ordem constitucional sob o argumento de que a discriminação se justifica pelo simples fato de que a mulher é biologicamente mais frágil que o homem e por isso a isonomia se estabelece nesse caso. 

Um segundo grupo defende que a discriminação do trabalho da mulher só se justifica para assuntos pública e notoriamente discrepantes entre homem e mulher, o que não é o caso do tema de prorrogação de jornada, que atinge indistintamente homens e mulheres, sem evidência científica para se afirmar que homens teriam mais facilidade para prorrogar jornadas que mulheres. Nesse caso, o artigo 384 não seria recepcionado pela nova ordem constitucional, deixando as mulheres de ter o direito a tal intervalo.

Um terceiro grupo defende, que, pela própria aplicação do artigo 5o., CF/88,  não apenas mulheres mas também homens passariam a ter o direito a tais intervalos. Logo a nova ordem constitucional teria expurgado a discriminação positiva inserta no artigo 384 para estendê-la também ao trabalhador do sexo masculino. 

Parece-nos que o entendimento favorável a que discriminação positiva do direito ao intervalo seja estendido também aos homens, como decorrência do princípio da igualdade, é a tese mais consentânea à ordem Constitucional, pois ratifica o compromisso com a "melhoria da condição social do trabalhador" (artigo 7o, caput, CF/88) e com as diversas regras tendentes a inibição da realização do trabalho extraordinário (incisos XIII, XIV e XVI do artigo 7o, CF/88). 

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