O Dirigismo Contratual do Direito Civil Pode Interferir Nas Relações Trabalhistas?


Numa conciliação trabalhista a empresa se compromete a pagar a quantia em dinheiro ao reclamante, em certo prazo, sob pena da multa de 50%. O pagamento é feito, mas em alguns dias após o vencimento. Na execução da multa de 50% é cabível a aplicação dos artigos 408 a 410 do CCB?

A aplicabilidade de dispositivos do Código Civil no Direito do Trabalho se dá por autorização legislativa prevista no parágrafo único do artigo 8o., CLT que estabelece: "O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste". 

Há portanto que se atentar para dois critérios cumulativos e sucessivos que se apresentam também sob a forma de requisitos: o da subsidiariedade e o da compatibilidade

O núcleo do direito do trabalho é a relação de emprego, de matriz eminentemente contratual. Por outro lado, não tem a CLT uma codificação sistemática que estabeleça um microssistema coeso e acabado, sendo frequente a ocorrência de lacunas de institutos jurídicos que serão preenchidas pela técnica da aplicação subsidiária do direito comum, a exemplo do que ocorre com a compensação, a retenção, a mora, a consignação, o pagamento, a indenização, dentre outros. Portanto, em não havendo expressa previsão celetista para o instituto da cláusula penal (com disciplina nos artigos 408 a  415 do Código Civil), aberta está a lacuna jurídica a ser suprimida pelo critério da subsidiariedade.  

Mais dificultosa é a tarefa de se aferir a compatibilidade do instituto com os princípios fundamentais do direito do trabalho. Nesse aspecto, vale perscrutar que critérios devem ser considerados para se possa fazer valer a regra contida no artigo 8o, supra referida. 

Tenho que a chave para se estabelecer um regime jurídico de compatibilização e integração de institutos do direito comum com o ramo justrabalhista, passa pela identificação da concepção jurídica do regime de contrato que fora adotada pelo ordenamento positivo brasileiro em tais ramos.

É possível estabelecer pelo menos duas formas bastantes distintas a respeito da concepção jurídica do contrato. 

Primeiramente, o  contrato pode ser tido como um "instrumento para fazer valer a vontade das partes", que é pensada como sendo exterior ao direito. O contrato, aqui, assume a função de mero veículo que terá o fim de efetivar essa vontade. A vontade se torna empírica, fica em primeiro plano e coloca a regulação estatal em segundo plano. 

A segunda concepção coloca o contrato como expressão da autonomia privada, ou ainda, como instrumento da vontade como regulada em direito. A vontade aqui é aquela "de saída", ou já conformada, no momento de sua emissão, por proibições e vedações constantes de lei. O contrato não é exterior ao direito, mas é formado pelo direito. Não é "limitado" apenas, mas constituído pelo direito. O contrato é pensado em função das normas jurídicas e não há espanto que "intervenções" ocorram. 

Essas duas visões de contrato decorrem também do contraste entre aqueles estudiosos que concebem o mercado como auto-regulado por definição ou "exterior ao direito" (Williamson, 1985) e aqueles que pensam as instituições como "embedded", ou constitutivas do mercado (Granovetter, 1985). 

Resta clara que a visão constitutiva do contrato inspira o modelo das relações trabalhistas no Brasil, à vista do disposto no artigo 444, CLT. Resta também evidente que o dirigismo contratual norteia as relações privadas disciplinadas pelo Código Civil de 2002, que tem mitigado a autonomia da vontade e prestigiado princípios como o da função social, boa-fé objetiva e o equilíbrio contratual. 

Tem-se, portanto, fértil terreno para uma ampla aplicação do princípio do diálogo das fontes, pelo qual o direito do trabalho e o direito contratual comum seriam integrados, mantidas apenas as restrições da subsidiariedade e da especialidade, pois compartilham idêntica concepção quanto no que respeita à conformação da vontade ao direito. 

Sendo assim, e por não haver expressa vedação advinda do corpo principiológico justrabalhista, mostra-se perfeitamente cabível a aplicação dos artigos 408 e 410 do Código Civil como fonte subsidiária do direito do trabalho, do que decorre a imperatividade dos seguintes preceitos ao acordo descumprido no âmbito da conciliação trabalhista: (a) a desnecessidade de interpelação do devedor para a imediata exigibilidade da cláusula penal, em caso de descumprimento da obrigação ou constituição em mora (art. 408); (b) a possibilidade de restrição de aplicação da cláusula penal à situações de inexecução de uma dada cláusula obrigacional; (c) a conversão de cláusula penal compensatória em obrigação alternativa à obrigação principal a benefício do credor. 

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