Contrato e Autonomia Privada

Baseado em anotações do curso da prof. Rachel Sztajn - Futuros e Swaps.

A dinâmica das necessidades humanas influenciam os comportamentos e os negócios. Por conta disso, periodicamente surgem distintos modelos operacionais para disciplinar essa constante mutação, os quais decorrem de alterações de modelos existentes ou de novas combinações de regras, sempre na tentativa de adequar tais esquemas às necessidades correntes de cada comunidade. 

Costumes constituem importante fonte dos contratos. Assim, a criatividade dos operadores econômicos faz com que conhecidos modelos contratuais sejam apresentados com diferente função. Trata-se de fenômeno que remonta desde o direito romano, o qual já previa a possibilidade de numerus apertus, em termos de tipificação contratual, numa demonstração de que sistemas de tipicidade fechada não sobrevivem às necessidades do tráfico negocial. 

Modernamente, a partir dos anos 60, com a intensificação das atividades econômicas internacionais, passou-se a exigir que os contratos, aos quais era dada a função de facilitar a circulação da riqueza, passassem a preencher também a função de preservar funções patrimoniais com a transferência ou eliminação de risco econômico.

No direito privado atual, a disciplina dos contratos típicos inspira-se na exigência de fixar regras coerentes com a natureza da operação econômica a que o esquema contratual responde.

Mas a satisfação de desejos e necessidades concretas dos operadores, a ser alcançada por intermédio dos contratos, acarretou na utilização de modelos contratuais complexos ou atípicos (contratos como substrato de outros contratos), a exemplo do que ocorre com o leasing (locação mais opção de compra), franchising (licença de uso de marca mais venda de produtos da marca em certa área geográfica), factoring (compra e venda de créditos, usualmente com desconto e sem escolha do adquirente) e engineering (projeto de engenharia e sua execução).

A falta de regramento específico para tais modelos, em que sejam previstos os efeitos desses negócios, de forma cogente ou dispositiva, não inibe sua presença no tráfico negocial e seu posterior reconhecimento pelo legislador.

Portanto é curial a revisão das ideias que imperavam no século XIX e no início do século XX, de que uma codificação deve ser um sistema completo e fechado e acabado. Devem ainda ser abarcadas as novas funções atribuídas pelos particulares a antigos institutos jurídicos, também elas decorrentes do tráfico negocial e das necessidades modificadas no tráfico.

Importa que se desfaça a ideia de que a lei sempre tem a primazia sobre o ajustado pelas partes. É que a velocidade das comunicações, desencadeador da integração dos mercados, acaba por provocar uma uniformização e a interpenetração das praticas negociais em nível global, o que deixa a lei ainda inapta para previsão e disciplina das necessidades surgidas na prática negocial. Exemplos dessa tendência uniformizadora  são vistos com as Convenções de Genebra, em relação ao títulos de crédito, cujo reconhecimento legal sempre tem se dado ex post.

Alterou-se o cenário econômico, social e político, mudaram as perspectivas econômicas, aumentou a velocidade da comunicação,os costumes e praticas sociais são padronizados, copiados e repetidos. No campo da autonomia contratual é que se pode mais facilmente observar a relação entre contrato e  iniciativa  econômica , pois é onde se confundem liberdade e autonomia dos contraentes ao determinar o conteúdo do contrato.

Ronald Coase explica que a influência das normas jurídicas sobre os modelos econômicos não deve ser  desprezada e que a política econômica envolve escolha entre instituições sociais criadas pela lei ou dela dependentes.

Coase cita o exemplo dado por George Stigler relativo à contaminação de águas, no qual se pondera se, para a comunidade, o custo da morte de peixes é maior ou menor do que o valor do produto que contamina a água. No entanto, Coase observa que se todas as partes detém a mesma informação, modificações legislativas não devem afetar a distribuição da riqueza, porém se se tratar de direitos novos, as regras jurídicas levarão a resultado alocativo diverso (exemplo, responsabilidade civil ambiental).

Consequentemente, como efeito do regramento jurídico, os agentes econômicos agem preventivamente, com vistas a neutralizar tais externalidades ou mesmo diluir o risco advindo, o que em ultima analisa, acaba por desfavorecer os que deveriam ser os efeitos beneficiários da intervenção normativo-protetiva.

Embora o contrato seja fenômeno distinto da operação econômica subjacente, constituindo, isto sim,  a mera formalização desta, para os economistas do direito, o contrato é visto como o acordo destinado a concluir operação econômica em que haja "custos de transação" e a melhor distribuição dos recursos segundo critérios de utilidade.

Assim, a função econômico-individual aderente à realidade negocial serve para tentar determinar a disciplina aplicável a cada contrato por meio da determinação da especificidade do negócio.

A boa fé é um dos instrumentos que serve de guia para a solução dos problemas da definição da disciplina dos contratos, fundada na ideia de equilíbrio econômico negocial e fora da vontade normativa dos contratantes.

É que ao lado da utilidade individual de cada contrato é preciso encontrar sua utilidade social, sendo a utilidade econômica tipo de previsão do justo contratual.

O fato é que toda a teoria geral das obrigações e contratos está centrada em regras do Código Civil, e dessa forma, nao é possível que novos modelos negociais, e os costumes daí surgidos, sejam enquadrados a regras pré codificadas. Por isso, recorrer-se à economia do contrato, ao efeito econômico desejado pelas partes, são formulas que levam ao substrato econômico contratual.

Portanto reconhecer-se a operação econômica subjacente ao contrato como sua parte integrante facilita resolver os conflitos de interesses que não venham disciplinados pela cláusulas contratuais e evidencia a força da lei que se vê nos contratos como resultado do reconhecimento da autonomia privada.












     



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