"Por que fiz o Mestrado em Administração?" ou "...um pedaço da minha história"
Os fatos cotidianos, quando
submetidos à observação, podem desencadear um processo cognitivo do que Thomas
Kuhn denominaria de “pré-ciência”, marcado mais pelas “verdades” lastreadas por
“opiniões” do que por “coisas” (FEYERABEND, 2003).
Tais observações podem também
constituir a fonte geradora de um “problema”, as quais, submetidas à pesquisa
científica, se inscrevem em uma “problemática”, decomposta em lacunas,
postulados e objetivos de investigação metodologicamente coesos (LAVILLE e
DIONNE, 1999).
Diante dessas considerações,
valho-me da experiência pessoal para trazer a lume fenômenos desafiadores,
ainda pouco pesquisados, dentro do campo dos estudos sobre fontes de vantagem
competitiva.
Acerca da inevitabilidade da
influência, ainda que remota, da experiência do pesquisador sobre as escolhas
de seus objetos de estudo, Buchanan e Bryman (2008) a ratificam quando afirmam
serem inexoráveis as conexões entre tema, campo de pesquisa e o pesquisador,
presentes em elementos organizacionais, históricos, políticos, éticos e
fáticos, os quais interferem inclusive na escolha dos métodos de pesquisa
proposta.
No mais, identifico aqui uma
“problemática sentida” (LAVILLE; DIONNE, 1999), o que aumenta as chances de um
trabalho relevante, contributivo e aderente à realidade.
Por essas razões, podem se
mostrar significativas as informações sobre a história, a formação e
experiência do autor, bem como as razões que o levaram à identificação de um
problema. Sigo Barbero (2008), para quem
“as lentes pessoais do escritor marcam o conteúdo das teorias” (p. 9). Segue-se,
portanto, um pouco da minha história.
Esta pesquisa tem origem no
anseio pela compreensão da competitividade das empresas brasileiras de moldes e
estampos no Brasil, pouco conhecidas e estudadas, a não ser pelas escolas de
engenharia, cujos interesses distam das questões que se pretende aqui enfrentar.
Advogado militante, graduado em
1995 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, fui instado a me envolver com
as atividades de uma empresa industrial de pequeno porte fundada pelo meu pai
em 1994.
A empresa nasceu da conjugação de
dois fatores: (a) a experiência técnica do fundador de mais de 30 anos na
construção de estampos para a indústria automobilística; (b) a necessidade de
geração de renda para o sustento familiar, não suprido pelos proventos da
aposentadoria.
Meu envolvimento no negócio exigiu
conhecimentos e habilidades que eu não dispunha. Por essa razão, em 1999,
participei de um Programa de Formação de Novos Empresários e Dirigentes para
Micro e Pequenas Empresas Industriais, oferecido pelo Programa de Capacitação
de Empresas em Desenvolvimento - PROCED, da Fundação Instituto de Administração
- FIA da Universidade de São Paulo, sob o patrocínio da Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo - FIESP, em parceria com o Instituto Euvaldo
Lodi - IEL e com o SEBRAE.
A capacitação obtida surtiu
efeitos na qualidade da gestão e impactos no desempenho da empresa. O negócio
cresceu e se estruturou em três pequenas empresas, com atividades
complementares – uma empresa fabricante de estampos, uma estamparia de peças
metálicas e uma prestadora de serviços de usinagem.
Entretanto, decorridos alguns
anos, os resultados não mais se reproduziam com a mesma intensidade. Passei a
questionar o que era necessário para que pudéssemos maximizar e sustentar a
rentabilidade inicialmente realizada.
Observava a atuação de firmas
congêneres e a forma como ocorriam as relações com seus clientes, cujo perfil
predominante era o de empresas multinacionais ligadas à indústria
automobilística.
Embora tais observações tenham os
contornos da pré-ciência, elas suscitaram algumas inquietações em relação ao
segmento de moldes e estampos, a seguir elencadas:
- Caracterizado por alta e atomizada concorrência, bem como pela quase paridade entre preços e custos marginais;
- Guiado pelas demandas de poucas e grandes corporações, a partir de decisões estratégicas de desintegração vertical, e sujeito à imposição de condições comerciais pouco flexíveis e subordinantes;
- Carência de profissionais especializados para dar sustentação à competitividade das firmas, o que se verifica sob três aspectos: primeiro, a presença de poucos profissionais especializados, porém já aposentados e resistentes às mudanças tecnológicas e organizacionais; segundo, a formação pouco adequada dos jovens estudantes do ensino técnico, associada com a dificuldade das empresas no estabelecimento de estratégias para atração de estudantes melhor preparados; e terceiro, a existência de poucos profissionais de ensino superior – em especial engenheiros e administradores – refletindo-se em uma cultura organizacional que não enfatiza a melhoria de processos, geração de conhecimento, aprendizagem e inovação.
- As empresas detentoras de processos incipientes de inovação tecnológica, reduzidos à aquisição ou substituição de equipamentos, o que as tornam altamente dependentes de fornecedores fabricantes de máquinas e acessórios para o acesso à tecnologia, indispensável para sustentação da competitividade no setor;
- A renovação e manutenção dos recursos tecnológicos (equipamentos, acessórios e atualização de softwares) com a necessidade de um aporte de recursos financeiros próprios ou de terceiros, estes últimos a custos elevados e com efeitos negativos sobre a liquidez e o retorno do investimento;
Como resultado, era fácil
concluir que tais empresas, em verdade, lutavam pela sobrevivência dos
negócios: havia elevada informalidade na contratação de profissionais; a
impontualidade no cumprimento de obrigações com fornecedores, salários e
tributos era uma prática recorrente; a tomada de crédito bancário para
financiamento de obrigações de curto prazo revelava a insuficiência de capital
de giro para sustentar as operações da empresa.
Por outro lado, era possível
identificar empresas que cresciam, realizavam investimentos e ampliavam seus
negócios, evidenciando desempenhos em muito superiores aos seus pares.
Ao atentar para essas firmas bem
sucedidas, indaguei que razões as levariam a uma posição distintiva no setor,
reflexão ainda guiada pelo senso comum.
Se comparadas essas empresas com
a grande maioria do segmento, era clara a percepção de que elas se encontravam
em situação de destaque. Contudo, sob a ótica do valor econômico, sua geração e
apropriação (BOWMAN; AMBROSINI, 2000), observei um aparente (ou é real?)
dilema:
O crescimento dessas empresas dava-se em função
do aumento dos negócios realizados com seus clientes, e do aumento da
capacidade instalada, mediante elevados investimentos na estrutura operacional;
Esse crescimento só era possível com a redução
de preços, decorrentes de altos volumes de fabricação e economias de escala,
mas alavancava, financeira e operacionalmente, tais empresas ao ponto de
expô-las a riscos de uma estrutura de capital de custos superiores aos retornos
esperados;
Os beneficiados maiores eram os clientes,
supridos com moldes e ferramentas, a custos baixos e prazos reduzidos.
Questionei se haveria vantagem
competitiva nessas práticas e, caso houvesse, de quem seria essa vantagem.
No
mais, indaguei se tal vantagem seria sustentável, diante da possibilidade,
ainda que remota, de uma diminuição da demanda no mercado de moldes e
ferramentas, circunstâncias imprevisíveis, incontroláveis, mas factíveis e
dependentes de interações políticas, econômicas e decisórias dos próprios
clientes.
Em meados de 1999 fez-se sentir
um lento e irreversível processo de expansão da arena competitiva. As empresas
brasileiras começavam a perder negócios para concorrentes internacionais, em
especial para a indústria portuguesa de moldes e para a indústria espanhola de
estampos. Posteriormente, as ameaças advieram da Ásia, especialmente com o
surgimento e expansão de uma competitiva indústria chinesa de moldes. A pressão
exercida sobre os fabricantes brasileiros era evidente e um enfraquecimento do
setor se fazia sentir progressivamente com o decorrer do tempo.
A propósito, a reportagem
constante na Revista Usinagem Tech (2011, p. 12-15), que leva o nome de “Crise
mundial – o que fazer para sobreviver à queda da demanda da indústria
automobilística e à agressividade dos concorrentes chineses”, confirma a
preocupação que eu havia antecipado, ainda no final da década de 90.
Apesar de todos esses desafios,
os nossos negócios, embora pequenos, eram estáveis e apresentavam bons
indicadores de liquidez e rentabilidade, se comparados com a média relativa do
segmento, além de desfrutarem de reputação dentre os clientes do segmento
automobilístico. Prova disso é que fomos abordados por um grupo econômico
interessado em adquirir as empresas.
Duas de nossas empresas foram
vendidas no ano de 2004. Contudo, em 2008, o grupo comprador encerrou as
atividades de uma delas e vendeu a segunda empresa para terceiros, que ainda a
mantém em funcionamento.
Decorrido o tempo, subsiste
aberta a questão sobre quais as fontes de vantagem competitiva dessas firmas
bem sucedidas, tendo em vista a sua atuação em um contexto, que sem propriedade
científica, considerava, no mínimo, inóspito e adverso.
Fica a observação de que a
“realidade sentida”, aqui narrada, se deu no contexto da indústria
automobilística, geradora da quase totalidade da demanda para essas empresas.
Por fim, esse preâmbulo, de cunho
pessoal, tem apenas o condão de atribuir o sentido às questões subjacentes à
pesquisa, as quais me impulsionaram à elaboração da presente dissertação.
Trata-se da apresentação das
motivações iniciais do trabalho, que terá a formulação do problema, as
justificativas, os pressupostos e os objetivos enunciados, os procedimentos
metodológicos, as análises e as considerações finais, com a devida
fundamentação, nas seções que seguem.
Considerações iniciais feitas na dissertação defendida em 06/09/2011
Comentários
A trajetória é o percurso de um corpo no espaço. Varia em cada um de nós. Sempre há um ponto de partida e um ponto de chegada. O conteúdo publicado é bastante profundo e, com certeza, sua trajetória é mapeada por muito sucesso. Assim, não deixe de transmitir sua riqueza de pensamento. Escreva e compartilhe seu conhecimento. Todos teremos muito para aprender. Deus o abençoe.
Elza Zimbardi
Quanto a você, não deixe de escrever, pois o faz muito bem!
Abraços,
Ricardo