Relações de Trabalho nas Igrejas
Consideremos o caso de uma família da
igreja local que se propõe a assumir as atividades de zeladoria, sem depender
de salário, bastando que lhe seja liberada a casa do zelador. A questão, que
transparece simples, pode esconder riscos jurídicos, com reflexos negativos às
finanças e à imagem da igreja, a não ser que cuidados sejam tomados para que o
"combinado" não configure, a despeito da nobre intenção, uma
indesejada relação de emprego.
Não se quer dizer que tal família,
necessariamente, recorra ao Judiciário para postular o reconhecimento de
direitos trabalhistas, o que para a maioria, representaria ato reprovável e de
má-fé. Contudo, adverte-se que se a família assim proceder, poderá vir a ter o
respaldo jurídico necessário para que a igreja seja condenada judicialmente a pagar
verbas não contratadas, mas decorrentes do comportamento objetivo das partes.
Isso ocorre tendo em vista o disposto no art.
442 da CLT, que diz: "Contrato
individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação
de emprego". O preceito legal adota uma posição mista que (a) enaltece
a autonomia da vontade das partes (quando se refere a "contrato" ) e, ao mesmo tempo, (b)
reconhece que as partes podem se inserir no labor, não pela vontade, mas pela
necessidade, e daí falar-se em mera "relação de emprego",
referindo-se à ideia de que o emprego também se constitui pelo
mero engajamento do trabalho dentro de uma estrutura produtiva, com
permanência no tempo e no espaço, sem que se tenha necessariamente firmado um
"contrato".
A razão para essa relativização dos
contratos está no pressuposto, adotado pelas leis trabalhistas, de
desnivelamento entre as partes, a reclamar proteção legal ao que presta o
serviço, considerado um "hipossuficiente", em face daquele que se
beneficia do labor prestado.
Assim, a partir da identificação dos
elementos que formam os conceitos de empregado e de empregador - a pessoalidade, a
não-eventualidade, a onerosidade e a subordinação - reconhece-se,
mesmo com a ausência de vontade deliberada dos envolvidos, a natureza
empregatícia de uma relação estabelecida entre partes.
1) Pessoalidade - significa que quem presta o serviço
não se pode fazer substituir por outra pessoa. Trata-se se um pressuposto para
a formação, tanto do contrato como da relação de trabalho. Impessoal seria a
terceirização de serviços, pela qual limpeza ou manutenção predial seriam
prestadas por uma empresa, que colocaria seus profissionais para execução do
trabalho, sem que a igreja esteja a eles vinculada. Percebe-se que a
pessoalidade é característica quase sempre presente nas atividades de zeladoria
das igrejas, quando confiadas a pessoas específicas e que não são
substituíveis, a não ser por circunstâncias transitórias (férias, licenças,
doença, etc.).
2) Não-eventualidade - contém a ideia de expectativa de
permanência. A relação perdura no tempo, indeterminadamente e em solução de
continuidade. Eventual seria o trabalhador que não sabe quando vai prestar os
serviços. Por outro lado, mesmo quem trabalha apenas às terças-feiras (mas em
todas as terças feiras) por 3 anos consecutivos, não é trabalhador eventual,
estando presente o requisito da relação de emprego. Veja-se que as atividades
de zeladoria não são pontuais, mas envolvem expectativa de continuidade e
relacionamento entre as partes.
3) Onerosidade - implica presença de remuneração
ao trabalhador em virtude do serviço prestado. Não significa apenas que o
trabalhador precise ganhar dinheiro para ser considerado empregado, bastando
que a relação traga alguma vantagem econômica para ele. Isso porque o salário
pode ser pago em dinheiro ou em utilidades (alimentação, moradia, educação,
vestuário, etc.), esse último também denominado "salário in natura". Logo, o fato da igreja prover moradia à
família, em razão dos serviços de zeladoria, configura a onerosidade, mesmo
que, no plano formal, se tenha celebrado um comodato (empréstimo) do imóvel utilizado para
residência.
4) Subordinação - significa que quem labora se sujeita
ao modo de realização do serviço, dirigido pelo empregador. É certo que
todas as pessoas, de algum modo, se submetem a comandos e diretrizes um dos
outros (pais e filhos; professor e aluno; igrejas e seus membros; Estado e seus
jurisdicionados). Contudo, a subordinação possui gradação, sendo de grau médio,
por exemplo, a que se encontra no trabalho autônomo, e de grau máximo a
subordinação presente nas relações de emprego. Nesse último caso, ela se
manifesta pelos conjuntos de ordens e instruções emitidas pelo empregador (que
digam respeito ao modo de organização do trabalho, métodos empregados, e
procedimento adotados) e que devem ser respeitadas pelo empregado. É
curial que numa igreja, as atividades de zeladoria sejam supervisionadas e
dirigidas, via de regra, pela Junta Diaconal. Sendo assim, é nítida a presença
de subordinação em seu grau máximo.
Estando presentes os requisitos da relação
de emprego, o seu reconhecimento judicial significará que, para cada um dos
zeladores, será atribuído valor de remuneração, correspondente à fração da moradia
concedida à família sob a forma de "salário
in natura", e que sobre tal valor serão reconhecidos direitos como
férias, 13o. salário, DSR, FGTS, Aviso Prévio e adicionais de horas extras e
noturno (se for o caso). Para tanto, pode o juiz ainda valer-se do disposto no
artigo 460, da CLT: "Na falta de estipulação de salário ou não
havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber
salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou
do que for habitualmente pago para serviço semelhante".
Como se vê, qualquer que seja a decisão do
Conselho da Igreja sobre o funcionamento de sua zeladoria, o exame cuidadoso da
questão sob o crivo justrabalhista, deverá ser sempre considerado.
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